Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião|Enem sem terrorismo

Ficam para trás as listas de conteúdos exigidos de forma exaustiva em concursos vestibulares

Atualização:

Muito se especula sobre o destino do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) a partir da reforma do ensino médio e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Nenhum dos “palpiteiros de plantão”, entretanto, considerou consultar o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), autarquia do Ministério da Educação (MEC) responsável pelo exame.

Enquanto isso, nossos pesquisadores acompanham as mudanças estruturais das políticas educacionais e pensam, com muita competência técnica, propostas de novos constructos para os exames e avaliações da educação básica sob sua responsabilidade: o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) e o próprio Enem. Tudo, é claro, a ser validado pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), órgãos representativos dos gestores das redes de educação básica do País.

O Enem nasceu em 1998, já estruturado num conceito mais abrangente de aprendizagem e desenvolvimento. Tais ideias eram fruto das reflexões de educadores do mundo todo na década de 1980, referendadas por quase 200 países signatários da Declaração de Jomtien. Embora presente em inúmeras iniciativas oficiais nessa época, só agora o Brasil sinaliza com mais ênfase para essa concepção, por meio da BNCC. E o faz a partir da estruturação de uma referência nacional para as propostas pedagógicas das escolas de educação básica, definindo que os currículos sejam organizados com indicação clara dos objetos de conhecimento (conteúdos), competências e habilidades (estruturas e processos cognitivos), atitudes e valores.

Ficam para trás as listas de conteúdos exigidos de forma exaustiva em concursos vestibulares. Essa concepção mais abrangente de aprendizagem e desenvolvimento, já consagrada na BNCC da educação infantil e do ensino fundamental, torna mais evidente a necessidade de uma nova compreensão das formas de ensinar e aprender e, consequentemente, de avaliar.

Desde sua origem, o Enem já seguia essa orientação e buscava avaliar o perfil geral do jovem ao término da escolaridade básica, verificando o domínio dos princípios científicos, sociológicos e tecnológicos da vida moderna, como prescritos na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), de 1996. As tarefas propostas na prova eram guiadas por uma matriz de referência, com a indicação de cinco competências gerais e 21 habilidades específicas. Apesar de não fazer uma varredura dos conteúdos das disciplinas do ensino médio, sua organização em torno de situações-problema, interdisciplinaridade, contextualização e uma redação com critérios bem definidos de correção (expressos por meio da indicação de competências e habilidades a eles associados) evidenciava a valorização de processos mentais. Assim, o Enem ganhou, gradativamente, adeptos entre educadores e instituições educacionais, e até mesmo entre aqueles que dele participavam. Em 2002 quase 500 Instituições de Educação Superior já utilizavam seus resultados, como exame de primeira fase de seleção para acesso ao ensino superior ou compondo parte das notas totais do vestibular.

Em 2009 o Enem tornou-se referência obrigatória para o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), valendo também para o Programa Universidade para Todos (ProUni) e para o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Para isso passou a usar como referência para a elaboração das provas parte das matrizes criadas em 2000 para o Encceja, uma contribuição do MEC às Secretarias de Educação estaduais e municipais para certificação de ensino fundamental e médio. O Enem passou, então, a ser organizado em quatro áreas de conhecimento, a partir da identificação de competências gerais e habilidades específicas. A elas foi acrescida uma lista de conteúdos por disciplina e uma redação com os mesmos critérios de correção do exame original. Desde então, esse conjunto de referências passou a ser a base de todas as questões das últimas edições.

Em 2018 as equipes técnicas do Inep estudam os normativos já homologados da BNCC da educação básica e da reforma do ensino médio, enquanto acompanham a discussão da BNCC do ensino médio. E estão certas de que a organização em competências e habilidades permanecerá e deverá orientar as propostas curriculares de todas as escolas brasileiras. Essa organização vai também permitir que a formação de professores, o material didático, os projetos pedagógicos das escolas e a prática tanto de ensino quanto de avaliação superem a velha crença de que informação é conhecimento e de que memória é inteligência. Sem a mediação dos processos cognitivos e socioemocionais, conhecimentos que são da ordem de desenvolvimento dos alunos não serão constituídos.

Se a BNCC, como organizada, é a referência para a elaboração das propostas curriculares nacionais, certamente ela será a base para os ajustes das matrizes dos exames e das avaliações da educação básica em larga escala sob responsabilidade do Inep, até para que se pratique justiça, pois no âmbito daquilo que é avaliado está implícito o que deveria ter sido ensinado.

Acalmem-se, então, os “alarmistas de plantão”. O Inep trabalha com muita responsabilidade para alinhar suas matrizes de avaliação e exames da educação básica, tendo como referência a BNCC, o que será feito com competência técnica e muita transparência. No que se refere ao Enem, esse processo será conduzido com todo o cuidado e responsabilidade para que os jovens brasileiros não percam nenhuma das vantagens associadas aos seus resultados, sejam o Sisu, o ProUni ou o Fies.

PRESIDENTE DO INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP)