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Energia - para onde vamos?

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Por JOSÉ GOLDEMBERG
3 min de leitura

Uma das características da democracia é que ela dá espaço para visões diferentes do presente e do futuro, e de alguma forma essas visões acabam se transformando em políticas públicas que orientam a ação do Estado. Pode parecer um sistema caótico e complicado de conduzir um país, mas revelou-se, ao longo dos anos, o mais racional e claramente superior aos regimes autoritários.Aprendemos isso com os gregos, que iniciaram essa forma de governar há 2.500 anos. Numa democracia há sempre espaço para a correção de rumos. Num regime ditatorial isso é muito mais difícil e, por isso, eles frequentemente acabam em guerras, revoluções e muito sofrimento.Democracia, contudo, não significa ausência de liderança. E não são poucos os cínicos que acreditam que o sucesso da democracia grega se tenha devido mais à liderança de Péricles do que aos infindáveis debates em praça pública em Atenas.No Brasil vivemos numa democracia há quase 30 anos, durante os quais surgiram líderes que contribuíram para consolidá-la por meio da Constituição de 1988, da estabilização da economia, da responsabilidade fiscal e dos progressos nas áreas de telecomunicações e saúde, graças ao surgimento de lideranças excepcionais. Infelizmente, o mesmo não ocorreu num setor fundamental para o desenvolvimento econômico e social, que é a área de energia.Nessa área, o que temos visto é a adoção de políticas setoriais que se movem mais ou menos ao acaso sob a pressão de lobbies poderosos, sem uma política coerente e unificadora. É por esse motivo que vivemos sobressaltados com a iminência da falta de energia elétrica ou de importações de petróleo.Grandes linhas de ação foram estabelecidas nos setores de eletricidade e de petróleo mais de 50 anos atrás. Tanto a Eletrobrás quanto algumas empresas estaduais - como a Companhia Energética de São Paulo (Cesp) e a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) - adotaram na ocasião um roteiro claro, fixado por critérios técnicos que levaram à construção de usinas e linhas de transmissão que abastecem quase todo o País.A missão era desenvolver a infraestrutura do setor elétrico, tal como ocorre quando o governo constrói uma grande estrada como a Rodovia Presidente Dutra: uma vez construída, a manutenção da pista, a cobrança de pedágio, os postos de abastecimento, os restaurantes e outros serviços podem e devem ser de responsabilidade do setor privado. A privatização do setor elétrico no governo de Fernando Henrique Cardoso foi apenas parcial. Muitas das empresas estaduais dos Estados do Norte e do Nordeste são apenas distribuidoras e se tornaram cabides de empregos de políticos locais, sem viabilidade econômica.Grande parte das geradoras de energia elétrica permaneceu como empresa estatal e o atual governo federal reconhece que o modelo se esgotou, porque adotou o sistema de leilões para novos empreendimentos. Além disso, tornou inviáveis essas mesmas estatais adotando medidas demagógicas de baixar as tarifas, fazendo-as perder a sua capacidade de fazer novos investimentos.O mesmo ocorreu no caso do petróleo, em que a Petrobrás teve um papel pioneiro ao desenvolver tecnologia e produzir o óleo no mar. Sucede que a empresa cresceu tanto que se tornou difícil manter seu ritmo de produção e expansão, apesar de todo o entusiasmo nacionalista em torno de suas atividades. A forte queda no valor de suas ações é a melhor demonstração de que o atual modelo de operação é inviável.Nada mais natural, portanto, do que atrair empresas estrangeiras com capital e experiência para se juntarem à Petrobrás na expansão de suas atividades. É o que está sendo feito agora, depois de anos de inação. Mas o fato de haver poucas empresas interessadas em se juntar à Petrobrás, como se viu no recente leilão do campo de Libra do pré-sal, é inquietante.É o próprio governo que está contribuindo para que isso ocorra, "administrando" os preços dos combustíveis, que estão cerca de 15% a 25% abaixo dos preços no mercado internacional, sangrando os cofres da Petrobrás. Uma das consequências perversas dessa situação é a queda acentuada dos investimentos na produção de etanol, o mais inovador dos programas de energia renovável existentes no mundo, graças à clareza de visão do governo de Ernesto Geisel.Aqui, diferentemente dos casos da Eletrobrás e da Petrobrás, o governo não criou estatais para produzir etanol, mas mecanismos que encorajaram os usineiros de açúcar de cana a produzir esse álcool combustível, setor que teve um grande sucesso até recentemente, com expansão anual da produção de quase 10%. Ao "congelar" os preços dos derivados de petróleo em 2007, o governo tornou inviável a expansão do sistema de produção, uma vez que o restante da economia brasileira acompanhou os reajustes dos preços do petróleo e, com isso, os insumos utilizados na indústria do álcool.O que o governo está fazendo com o Programa do Álcool é apenas uma parte da ausência de visão clara do setor de energia, apesar - ou talvez por isso mesmo - da atual presidente da República ter sido ministra de Energia por vários anos.Acontece que a área de energia no mundo está passando por uma revolução que indica que a matriz energética mundial em 2030 será muito diferente da atual. Energias renováveis são a "onda do futuro" e o gás vai representar a principal fonte de energia no período de transição. Entre as energias renováveis as principais são a hidrelétrica, que não pode ser abandonada, a de biomassa, a dos ventos e a solar direta, para produção de calor e eletricidade. Em todas elas o Brasil tem vantagens comparativas e elas precisariam tornar-se o eixo central das políticas do governo.Está faltando, claramente, uma liderança no setor energético como já tivemos no passado.PROFESSOR EMÉRITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO