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Enfim, a Fifa encara a lei

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Por Redação
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O aspecto mais importante da ruidosa ação da Justiça americana contra os chefões da Fifa é que, finalmente, se rompeu a blindagem que parecia manter a entidade dona do futebol mundial imune à lei. Flagrados em um luxuoso hotel suíço, cenário adequado para uma associação que mais se parece com um opulento reino – com monarca, nobres e até bobos da corte –, os “cartolas” da Fifa foram presos no momento em que se reuniam para reeleger seu presidente, Joseph Blatter, no cargo há 17 anos. A ação foi deflagrada depois de quatro anos de investigação do FBI, que começou a partir de um caso relacionado ao crime organizado russo em Nova York. O caso levou as autoridades americanas a descobrir uma intrincada rede de corrupção no futebol, que estava em curso havia pelo menos duas décadas e que envolveu negociações para a realização da Copa do Mundo e para a transmissão de eventos organizados pela Fifa. Suspeita-se que a escolha da Rússia e do Catar para sediar, respectivamente, as Copas de 2018 e 2022 tenha resultado desse conluio criminoso. Neste primeiro momento, 14 pessoas foram acusadas – de corrupção, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e vários outros delitos financeiros. Entre os presos está José Maria Marin, que presidiu a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) entre 2012 até abril passado e agora faz parte do comitê organizador da Fifa para o torneio olímpico de futebol em 2016. Marin teria cobrado propina para fechar contratos comerciais das competições que envolvem a CBF, entre os quais o da Copa América de 2019, que será no Brasil, além de exigir pagamentos regulares dos parceiros comerciais da entidade. Outro brasileiro no escândalo é José Hawilla, dono da Traffic, maior agência de marketing esportivo da América Latina. Ele detinha a exclusividade da comercialização dos direitos de transmissão de TV da Copa do Mundo de 2014 e também da Copa Libertadores. Já se declarou culpado de fraude, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça e se comprometeu a devolver US$ 151 milhões às autoridades americanas. É provável que outros dirigentes esportivos de destaque estejam envolvidos, pois, segundo a Justiça dos Estados Unidos, a operação no hotel suíço foi apenas o começo do trabalho de desbaratar um esquema de corrupção “desenfreada e sistêmica”, nas palavras da secretária de Justiça americana, Loretta Lynch. O mais impressionante em toda essa história é que a corrupção da Fifa e de seus vassalos é um segredo de polichinelo. Há muito o futebol deixou de ser apenas um esporte popular, graças às imensas paixões que suscita, característica que o ajudou a transformar-se em uma espécie de universo paralelo, no qual os códigos jurídicos da sociedade simplesmente parecem não valer. Isso explica como os dirigentes do futebol puderam, ao longo de décadas, esquivar-se da Justiça para construir fortunas pessoais e redes de poder a partir da exploração corrupta do esporte. Mais do que isso: esses “cartolas”, especialmente os da Fifa, se especializaram em fazer os Estados dobrarem-se a seus caprichos, perdoarem suas dívidas astronômicas e os isentarem de obrigações às quais todos os contribuintes comuns estão sujeitos. Tudo em nome da devoção de milhões de torcedores fanáticos. Eis a razão pela qual é tão importante ver atrás das grades poderosos velhacos que tinham, até agora, certeza de sua impunidade e, tal como uma casta superior, sentiam-se ademais no direito de exigir o estabelecimento de um verdadeiro estado de exceção nos países que tiveram a má sorte de serem escolhidos como sede da Copa do Mundo. Não se estabelece um império como esse, acima da lei, sem a cumplicidade de administradores públicos ávidos pelas luzes políticas e pelos ganhos financeiros proporcionados pelo futebol. A corrupção no futebol tem sua origem nessa mancomunação lesiva ao Estado e à boa-fé de milhões de aficionados. Que a ação da Justiça americana, enfim, sirva para começar um processo de saneamento que faça o futebol justificar seu apelido de “jogo bonito”.