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Entre os juros e a gastança

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Por Redação
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Crescer em ritmo de 10% ao ano pode ser muito bom, mas não agora, como sensatamente reconheceu o ministro da Fazenda, Guido Mantega, numa entrevista em Xangai, onde participou de um seminário sobre relações entre Brasil e China. A economia brasileira perde impulso e retorna ao "curso normal e sustentável de crescimento entre 5,5% e 6%", acrescentou. O primeiro trimestre foi marcado por uma grande expansão dos negócios, movida principalmente pela demanda interna. O País teve um desempenho econômico chinês, segundo o ministro, e o Produto Interno Bruto (PIB) deve ter aumentado a uma taxa anualizada de 8% a 10%. A primeira estimativa oficial deve ser divulgada no dia 10 pelo IBGE e os Ministérios da Fazenda e do Planejamento com certeza já receberam as avaliações preliminares. Em vez de saudar esse resultado com as costumeiras bravatas, a cúpula do Executivo parece ter reconhecido a conveniência de uma acomodação. Mas a experiência recomenda cautela diante dessa manifestação de sensatez, especialmente em ano de eleição. A perda de impulso, indicada por números do varejo e da produção industrial, ainda parece muito suave e pode ter sido causada inicialmente pela retirada de incentivos fiscais ao consumo, mencionada pelo ministro Mantega. Ele também apontou o aumento do depósito compulsório dos bancos no Banco Central (BC) como fator de moderação. Isso ainda não está claro, porque o financiamento ao consumo continuou crescendo nos últimos meses. Talvez convenha impor uma trava mais forte ao crédito. A elevação de juros, já iniciada pelo BC, por meio do Comitê de Política Monetária (Copom), demora meses para afetar a demanda. Seja como for, o primeiro sinal de alerta partiu dos economistas e dirigentes do BC. O ministro da Fazenda levou mais tempo para admitir o forte aquecimento da economia. Além disso, ainda manifestou dúvida, na entrevista em Xangai, sobre os critérios do Copom para projetar um crescimento econômico de 6% a 8% para os seis meses à frente. Mas esse ponto é claro. Os técnicos do BC usaram os dados de consumo e de produção do primeiro trimestre, o aumento do emprego e da renda dos trabalhadores e também a expansão do gasto público para chegar à conclusão óbvia: sem os freios da política econômica, esse ritmo não seria contido. Não cabe ao BC esperar uma acomodação espontânea do mercado, quando há claros sinais de superaquecimento e de pressões inflacionárias.A política fiscal só deu uma contribuição para arrefecer a expansão do consumo. Foi o corte de incentivos, quando já eram claramente dispensáveis e se tornavam contraproducentes. A despesa federal nunca parou de crescer. Os dois congelamentos de gastos ? um de R$ 21,8 bilhões, outro de R$ 10 bilhões ? foram meras consequências legais da reestimativa da receita. Na prática, foram cortes de vento e mesmo esses poderão ser anulados, se a arrecadação continuar crescendo como preveem economistas do setor privado e do governo. A possível liberação do dinheiro congelado foi anunciada pelo presidente Lula na terça-feira, durante evento na Volkswagen. Com isso, a despesa do governo, além de não ter parado de crescer, poderá aumentar ainda mais. Se isso se confirmar, o governo federal poderá estabelecer um novo recorde. Nos 12 meses terminados em abril, seus gastos corresponderam a 18,6% do PIB, a maior taxa desde o início da gestão Lula. No mesmo período a arrecadação federal equivaleu a 20% dos bens e serviços produzidos no País. O superávit primário ? a "sobra" usada para o pagamento de juros ? continua a resultar do aumento da receita e não do controle da despesa. Não se deve esperar da política fiscal, portanto, uma real contribuição ao controle da inflação. O governo reconhece o aquecimento da economia nos primeiros meses do ano, mas a tarefa de conter a alta de preços continuará jogada sobre o BC e seus diretores ainda serão alvos de críticas e até de insinuações do ministro da Fazenda. Segundo ele, a quem pode interessar o aumento de juros, senão ao mercado financeiro? Mais honesto seria perguntar, antes de mais nada, a quem interessa o controle da inflação.