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Era de expectativas diminutas

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Por Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco e sócio do Itaú BBA
4 min de leitura

A dívida deverá chegar a 120% do PIB em 2020, na melhor das hipóteses. Dependerá da adesão voluntária de 90% dos credores ao calote de metade do que têm a receber. E de anos de aperto fiscal. Não há possibilidade de depreciação da moeda para crescer exportando. A competitividade terá de ser ganha na forma de preços e salários mais baixos, solução que a sociedade em greve ainda terá de aceitar. Esse é o pacote anunciado para a Grécia. Evitar o contágio para outros países não é fácil. Não foram aprovados recursos suficientes para tal. A saída é usar o dinheiro disponível para evitar uma quebra bancária e esperar ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI) ou da China para enfrentar o problema das outras dívidas. Os mercados respiraram aliviados com o anúncio de novas medidas, houve até uma pequena euforia. Esperavam notícias piores. Um plano anunciado parece melhor que nenhum nesta era de expectativas baixas.Saberemos mais sobre a disposição do restante do mundo de ajudar a Europa esta semana, na reunião do G-20. Os EUA têm seus próprios problemas e a China é cautelosa, quer saber se as medidas adotadas são suficientes. O plano tem três pilares. O primeiro é a reestruturação da dívida grega, com base no calote de 50% e num novo programa de financiamento de 100 bilhões pelo FMI e pela União Europeia até o final do ano. O segundo é a recapitalização dos bancos europeus baseada num novo teste de estresse que sugere a necessidade de 106 bilhões. E o terceiro é o uso do Fundo Europeu de Estabilização Financeira para captar novos recursos no setor privado, nos governos (China, etc.) ou no FMI. A ideia é chegar a 1 trilhão para poder fazer frente a todas as necessidades atuais. Afinal, com os problemas na Europa chegando à Espanha e à Itália, evitar o contágio requer uma soma de dinheiro que ultrapassa as centenas de bilhões e chega a trilhões.Há, certamente, dúvidas. Haverá adesão "voluntária" em larga escala para a reestruturação da Grécia? Os recursos postos à disposição para a capitalização dos bancos são suficientes? (Ou seja, o stress test foi estressado o suficiente?). EUA, China, FMI ou o setor privado estarão dispostos a contribuir com consideráveis recursos adicionais? E os países em dificuldades conseguirão implementar os difíceis ajustes fiscais por anos?Nenhuma dessas questões é de resposta imediata. Há riscos sérios de implementação. Por exemplo, não acredito que facilmente o setor privado ou a China venham a colocar novos recursos que alavanquem o fundo europeu. O setor privado teme o calote, que já começou na Grécia. A China deve se questionar por que os próprios governos europeus não estão dispostos a contribuir com mais recursos.De qualquer forma, o anúncio das medidas diminuiu o risco de um colapso imediato. Uma corrida bancária ou a quebra de um país agora vão depender do sucesso do que foi anunciado. Aguarda-se o desfecho. A esperança, que é a última que morre, acaba de ser renovada.Mas as dificuldades atuais na Europa já devem impactar o crescimento do PIB. Enquanto se fala na necessidade de intervir nos bancos e capitalizá-los, estes se antecipam e tentam aumentar seu capital por conta própria, vendendo ativos e diminuindo o crédito. O efeito é limitar o crescimento na região. As políticas de ajuste fiscal são a solução no longo prazo, mas no curto prazo também diminuem o crescimento. A incerteza sobre o futuro reduz a confiança dos empresários e dos consumidores, diminuindo investimento e consumo. Em geral, espera-se um crescimento negativo no ano que vem e muito baixo por anos pela frente.No Brasil, estimamos que a redução das perspectivas de crescimento global, o aumento da incerteza e a piora das condições financeiras internacionais vão impactar negativamente o crescimento via redução da confiança aqui dentro, assim como a queda do crescimento das exportações, com uma defasagem mais longa.O desempenho da economia está sendo fraco, antes mesmo dos efeitos plenos do impacto internacional. Um conjunto amplo de dados mostra que a desaceleração do PIB se intensificou nos últimos meses. O crescimento mais baixo é explicado, em grande parte, pelas medidas de contenção da demanda que o governo adotou entre o final de 2010 e o início de 2011. O aumento da taxa de juros, as medidas para desacelerar o crédito (compulsório e requerimento de capital) e a redução da taxa de expansão dos gastos alcançaram seus efeitos máximos, levando a economia a uma trajetória de crescimento mais lento.Os últimos dados de atividade mostram que o crescimento do PIB no último trimestre foi de apenas 0,3% (abaixo da nossa estimativa anterior, de 0,6%). O que significa que estatisticamente não são baixas as possibilidades de o PIB ter recuado. Para o ano de 2011 esperamos crescimento em torno de 3%, também com possibilidades de ficar mais reduzido.Um crescimento mais baixo no final deste ano tem implicações negativas para o próximo. Primeiro, pelo chamado carry over, um menor carregamento estatístico para o ano seguinte, que é a dificuldade de crescer mais na média, dado que ainda há necessidade de recuperar a fraqueza do final do ano anterior. Segundo, porque um crescimento baixo no curto prazo tende a elevar a ociosidade da economia, reduzindo os investimentos e as contratações nos meses seguintes.Mesmo sem ruptura, o cenário global é de crescimento mais baixo por causa dos graves problemas, principalmente na Europa. O mais provável é que o mundo hoje caminhe em fortes altos e baixos. Após um período longo de baixos, entramos num período de alta, após os anúncios das medidas na semana passada. O mundo vive o alívio, provavelmente de curta duração, fruto de uma época de expectativas diminutas.