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Esse carnaval vai longe

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Por Redação
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O carnaval é o período consagrado à folia em que as coisas não são o que parecem, mas foi muito antes da inauguração do reinado de Momo que, sob o signo da fantasia, da farsa, do disfarce, em suma da carnavalização, começou a ganhar ritmo a campanha pela sucessão presidencial de 2010. Desfila nas ruas, desde o ano passado, com o samba-enredo composto pelo sempre folgazão - no bom sentido, evidentemente - Luiz Inácio Lula da Silva, o bloco da pré-candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Na sua roupagem mais vistosa, é a "mãe do PAC", agraciada pelas lantejoulas com que o cordão do lulismo exalta as suas virtudes maternais, o zelo incansável pela sublime missão que abraçou de nutrir o crescimento do Brasil. É também a "sacerdotisa do serviço público", na barroca declamação do senador José Sarney, promovido por ela, em retribuição, a "presidente para sempre do Brasil". Um dos momentos altos da festa, que também pode ser comparada a um baile para uma debutante só, foi a consagração da ministra no recente Encontro Nacional com os Novos Prefeitos e Prefeitas. A quermesse política foi promovida em Brasília exatamente com aquela finalidade. Custou a bagatela de R$ 1,85 milhão em dinheiro público, que só muito relutantemente o Planalto admitiu ter gasto, depois de ser apanhado barateando a verdade em reportagem deste jornal. Peça importante do faz-de-conta é a teatral indignação do presidente Lula diante dos tépidos protestos da oposição sobre o caráter eleitoral das andanças de Dilma - que ainda tem muito a caminhar até o eleitor comum aprender a reconhecê-la, deixando, por exemplo, de chamá-la de Vilma, como ouviu ao incursionar, há pouco, ao semiárido nordestino (onde só faltou dizer que o sertanejo é antes de tudo um forte). Ainda agora, reunido com o seu Conselho Político, Lula anunciou, como se necessário fosse, que ela continuará a viajar pelo País para acompanhar o andamento das obras do PAC. "Ela é a gerente do PAC. Tem não apenas o direito, mas a obrigação de acompanhar inaugurações e fiscalizar o andamento das obras", arrazoou Lula, fingindo que não a despacha para dar andamento à obra eleitoral que concebeu e da qual é o principal pilar, para uma plateia de leais operadores que fingiam acreditar no que escutavam. A ministra, por sua vez, já provou que aprende depressa. Aprendeu, entre outros predicados, a sintonizar com a predileção por metáforas do arquiteto do seu empreendimento político. "Fui para a cozinha fazer o prato e é natural que esteja presente na hora de servir", argumentou dias atrás, esquecida, porém, de que, segundo as estatísticas do PAC, há pouco a servir e muito ainda à espera de ir ao fogo. Contagiada pela prosódia lulista, diz também, tentando fazer ironia, que "este governo tem a mania de falar com o povo e tem gente que não gosta". É quase isso, mas não é isso. Na realidade, o chefe deste governo tem, mais do que a mania, a calculada obsessão de falar ao povo - tirando todo o proveito possível do seu inigualável talento para produzir vibrantes monólogos em série que arrebatam as audiências mesmerizadas, porque a lógica do espetáculo é levá-las a se identificar com o dono do palanque. Mas a pré-candidata não está longe da verdade quando acusa a oposição de "judicializar" a atividade do governo, ao comentar as três representações protocoladas na quarta-feira no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pelo PSDB e o DEM, que acusam o presidente e a ministra de crime eleitoral. A iniciativa é apenas uma forma de sair da penumbra e bater o bumbo. Mas não levanta a arquibancada. Os queixosos sabem que é praticamente impossível caracterizar a ilicitude da deslavada mobilização do governo Lula em favor de Dilma, sob a fantasia de ação administrativa. É que a peculiar legislação brasileira diz quando pode começar a propaganda, proíbe a sua antecipação, mas não define o que é campanha eleitoral. Além disso, uma coisa é configurar o chamado uso da máquina em municípios e Estados de baixa densidade política, outra é fazer o mesmo no plano federal. Sem falar que o presidente da República e sua gente são mais espertos do que as autoridades provinciais em pôr a rodar os seus carros alegóricos sem dar margem a serem desmascarados - literalmente - pela Justiça Eleitoral. Eis por que esse carnaval irá longe.