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Estímulo para as rádios piratas

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Por Redação
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Só o interesse do governo Lula em atender aos reclamos de sua base eleitoral pode explicar o envio ao Congresso Nacional do projeto de lei estipulando que a operação de rádios piratas deixa de ser crime punido até com a prisão dos responsáveis, que passarão a responder apenas a um processo administrativo. Interessadas em operar emissoras comunitárias para divulgar seus programas e arregimentar adeptos para si e para partidos políticos, diversas organizações e correntes partidárias que apoiam o governo há tempos pediam essa medida. Além de representar um golpe nas rádios que funcionam regularmente, a liberação das rádios piratas é uma ameaça à segurança pública. As transmissões clandestinas colocam em risco as operações aéreas mais críticas, de pouso e decolagem, pois interferem nas comunicações entre a aeronave e a torre de controle dos aeroportos. Neste caso, o projeto mantém as punições em vigor. Mas, em diversas comunidades nas quais a presença do Estado é cada vez menos visível, as rádios ilegais se transformaram em eficiente meio de transmissão de instruções para quadrilhas - e, neste caso, o projeto as beneficia. Sob a alegação de que muitas emissoras não autorizadas atendem às necessidades da comunidade, o governo tem feito vistas grossas para a ilegalidade, mas a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) vem combatendo as transmissões clandestinas. Na segunda-feira passada, com o apoio de 50 policiais militares, fiscais da Anatel fecharam cinco rádios piratas que operavam na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro. Segundo a agência, pelo menos 200 rádios clandestinas operam no Rio. Em São Paulo, calcula-se que sejam mais de mil. Em todo o País, de acordo com a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), são cerca de 15 mil. Pelo projeto do governo, os responsáveis por essas emissoras não cometem crime; quando muito, praticam uma infração administrativa. O fato de nem mesmo o presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara - onde o projeto será discutido -, o deputado petista Walter Pinheiro, ter apoiado a iniciativa do governo mostra a disposição dos congressistas. O deputado Paulo Bornhausen, membro da comissão e presidente da Frente Parlamentar da Radiodifusão, considerou o projeto um "atraso" e advertiu que, se aprovado, se tornará um estímulo à ilegalidade. Junto com o ministro da Justiça, Tarso Genro, o das Comunicações, Hélio Costa, assinou a exposição de motivos do projeto, embora tenha, depois, concordado que a proposta poderá servir de incentivo à ilegalidade. "Quando você flexibiliza, você abre uma porta que pode aumentar a criminalidade no setor", disse. O projeto altera dispositivos dos Códigos Penal e de Telecomunicações e da Lei Geral de Telecomunicações. Retira a operação ilegal de emissoras de rádio dos crimes previstos no Código Penal, mantendo apenas a pena de prisão para quem, por meio de radiodifusão, colocar em perigo a segurança dos serviços de telecomunicações de emergência, de segurança pública ou de fins militares. Pelo projeto, as infrações quando consideradas "graves" serão punidas com multa e, no caso de reincidência, multa e lacração dos equipamentos, "até que sejam sanadas as situações motivadoras" (da punição). Já a operação ilegal de rádio é uma infração "gravíssima", punida com a apreensão dos equipamentos, multa e suspensão da outorga, "até o pagamento da referida multa" - ou seja, pagou, liberou. Com o projeto, além de atender a sua base política, mesmo com risco à segurança pública e notório prejuízo às emissoras legalmente constituídas, o governo petista também pretende contornar um problema administrativo: a lentidão do Ministério das Comunicações na análise dos pedidos de outorga de rádios comunitárias. Nos últimos 11 anos, o Ministério só aprovou 3 mil dos mais de 18 mil pedidos de funcionamento. No ano passado, diante da pressão dos interessados no funcionamento de rádios comunitárias, a Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara deu parecer favorável a projeto que anistia os proprietários de rádios clandestinas, mantendo, porém, a tipificação do crime para as que vierem a operar ilegalmente. O projeto do governo vai muito além: descriminaliza a infração e estimula a irregularidade.