Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Estranho otimismo do BC

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

Há muito mais otimismo do que cautela no cenário de preços traçado para 2012 pelo Banco Central (BC). A inflação cairá e baterá no centro da meta, apesar do desemprego baixo, dos aumentos reais de salário, do encarecimento dos serviços e da intensificação dos negócios prevista para os próximos meses. A demanda interna continuará crescendo mais que a oferta da indústria e isso resultará num saldo comercial menor que o projetado três meses atrás. Mas ninguém deve ficar muito preocupado. Esta é a mensagem básica do Relatório de Inflação, publicado trimestralmente pelo BC. A projeção de crescimento econômico é a mesma de dezembro: 3,5% neste ano, 0,8 ponto maior que a de 2011, mas inferior ao potencial brasileiro e também à expansão estimada pelo pessoal do Ministério da Fazenda, cerca de 4,5%. Pelos termos do próprio relatório é difícil justificar o otimismo quanto à evolução dos preços ao consumidor. No cenário básico do BC, a inflação ficará em 4,4% neste ano, pouco abaixo do centro da meta (4,5%). O cálculo inclui como pressupostos uma taxa básica de juros de 9,75%, atualmente em vigor, e uma relação cambial de R$ 1,75 por dólar. Mas os juros poderão cair em breve para 9%, segundo indicou o Copom na ata de sua última reunião. Além disso, estima-se no mercado financeiro uma cotação de R$ 1,80 para o dólar antes do fim do ano. Basta a hipótese dos juros mais baixos, indicada pelo próprio BC, para tornar duvidoso o cenário traçado para a inflação. Além disso, o aumento de preços deve acelerar-se e chegar a 4,9% no primeiro trimestre de 2013 e a 5,2% no terceiro, segundo o relatório. Como explicar um salto tão amplo num intervalo tão curto? O quadro externo continuará ruim, de acordo com a avaliação do BC, mas não tão ruim quanto parecia, quando o Copom decidiu, em agosto de 2011, iniciar a redução dos juros. A estagnação no mundo rico e a desaceleração dos emergentes diminuiriam a pressão nos mercados de matérias-primas e as cotações tenderiam a cair ou a estabilizar-se. O BC continua apostando num cenário mais benigno para a inflação, mas não deixa de registrar o recente aumento dos preços do petróleo e de outros produtos básicos. Nada disso, no entanto, parece afetar a confiança na estabilização dos preços no mercado brasileiro. A economia brasileira continuará movida pela demanda interna, segundo as estimativas do BC. Quanto a isso, suas projeções coincidem, essencialmente, com as do Ministério da Fazenda. Um amplo mercado interno pode ser um importante fator de segurança, numa fase de estagnação no mundo rico e de menor crescimento da economia chinesa, a maior compradora de matérias-primas brasileiras. Mas a segurança seria bem maior se a indústria instalada no Brasil fosse capaz de atender à demanda interna crescente. A incapacidade da indústria brasileira é reconhecida nos novos cálculos da balança comercial apresentados no Relatório de Inflação. Na tabela revista, o valor da exportação estimado para o ano, US$ 268 bilhões, é US$ 1 bilhão maior que o projetado anteriormente, mas o da importação, US$ 247 bilhões, é US$ 3 bilhões superior ao da conta elaborada há três meses. Com isso, houve uma redução de US$ 2 bilhões na projeção do saldo comercial para 2012. Consideradas outras variações, o déficit estimado para a conta corrente passou de US$ 65 bilhões para US$ 68 bilhões, isto é, de 2,1% para 2,6% do PIB projetado.Esse déficit será financiado pelo ingresso de capitais, mas não pelo investimento estrangeiro direto, agora estimado em US$ 50 bilhões. As contas externas, apresentadas como se não justificassem preocupação, refletem, no entanto, desequilíbrios importantes e, de modo especial, o enfraquecimento da indústria manufatureira. Parte do otimismo do BC quanto à evolução dos preços se baseia no suprimento do mercado interno pela importação crescente. Há algo errado nesse quadro, mas o BC não parece suspeitar disso. O Executivo dá sinais de perceber o problema, sem mostrar, no entanto, capacidade para enfrentá-lo com soluções de longo alcance.