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Estudante guiado

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Por Redação
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Depois de três edições marcadas por inépcia gerencial e trapalhadas administrativas, as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) realizadas neste fim de semana, em 1.615 cidades, transcorreram sem falhas graves. Foi a primeira vez, desde que o Enem foi transformado em vestibular unificado das universidades federais, que não houve erros de impressão no caderno de perguntas e vazamento de questões. Inscreveram-se no Enem 5,7 milhões de estudantes, mas só 4,17 milhões fizeram as provas de Ciências Humanas e Ciências da Natureza, aplicadas no sábado; e de redação, linguagem e matemática, aplicadas no domingo. A taxa de abstenção de 27,9% foi quase a mesma do Enem de 2011, que ficou em 27,6%. Com 2,1 milhões de participantes, o Sudeste mais uma vez liderou as inscrições no Enem, seguido pelas Regiões Nordeste e Sul, com 1,8 milhão e 732 mil candidatos, respectivamente. Dos 5,7 milhões de inscritos, apenas 1,7 milhão pagou a taxa de R$ 35 cobrada pelo MEC - 4 milhões foram dispensados, por terem alegado falta de recursos. A maior surpresa do Enem deste ano foi o tema da prova de redação. Tanto os candidatos quanto os professores de escolas e cursinhos esperavam temas como aumento da violência urbana, mudanças políticas e o novo Código Florestal, aprovado pelo Congresso em setembro. Mas, tomando por base um texto com informações sobre haitianos que chegam ao País pelo Acre e bolivianos que trabalham nas grandes cidades brasileiras, o tema proposto foi "Movimento imigratório para o Brasil no século 21", o que deve acarretar muitas notas baixas nessa prova, segundo especialistas em ensino médio. "O tema ficou fora do eixo da maioria dos estudantes e, além disso, não houve informações precisas sobre se há, de fato, um processo migratório", diz o professor Rogério Chociay, da Unesp, depois de lembrar que os alunos acabaram ficando excessivamente dependentes dos textos de apoio. "O inesperado pode ter causado insegurança e feito com que as pessoas não conseguissem construir uma argumentação consistente", diz Caroline Andrade, professora do Cursinho da Poli. Mas houve docentes que apoiaram a escolha do tema da redação, argumentando que, apesar de ter causado surpresa, não fugiu à tradição do Enem, de valorizar as chamadas "questões sociais". Mas, como esses temas são muito abertos e permitem as mais variadas ilações, os organizadores da prova lembraram aos candidatos, no Guia do Participante - a redação do Enem 2012, que eles são obrigados a "elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos". A finalidade de uma prova de redação não é avaliar a opinião dos alunos sobre um determinado tema, mas avaliar se ele é capaz de sustentar essa opinião de modo coerente e organizado, e em português correto. Apesar da ênfase sobre os direitos humanos constar há anos do Guia do Participante, na prática ela não é uma forma de orientação dos candidatos. É, isto sim, uma estratégia esperta e sutil de induzi-los a fazer correlações "politicamente corretas", a repetir conhecidos jargões ideológicos e a endossar opiniões de dirigentes governamentais. Desde a ascensão do PT ao Palácio do Planalto, o governo já defendeu a adoção de mecanismos de "controle social"dos meios de comunicação, propôs a criação de uma agência destinada a monitorar a produção de audiovisual e lançou um polêmico Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH3), por meio do qual tentou impor a visão de setores radicais do PT e de alguns movimentos sociais sobre assuntos controversos, como reforma agrária e relativização do direito à propriedade privada. Quando o Guia do Participante dá a entender que a não valorização dos direitos humanos tira pontos da prova, ele inibe a reflexão isenta dos candidatos. Com o receio de que um corretor alinhado com as teses do PT dê zero à redação, os estudantes não têm outra saída a não ser repetir a cartilha ideológica do PNDH3, o que converte o Enem - antes um simples mecanismo de avaliação do ensino médio - em instrumento de proselitismo e doutrinamento.