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Etanol e clima nas relações Brasil-EUA

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Por Marcos Sawaya Jank
3 min de leitura

Etanol e mudança climática foram temas importantes abordados na primeira reunião dos presidentes Lula e Obama sábado passado em Washington. Obama elogiou a vasta experiência brasileira na produção competitiva de álcool combustível e ao mesmo tempo se esquivou da sempre polêmica questão da tarifa protecionista que bloqueia as nossas exportações. Na realidade, sabemos que Obama não pode fazer grande coisa na matéria, já que nos EUA tarifa é tema exclusivo do Congresso, onde um poderoso bloco de senadores comanda a resistência contra qualquer abertura do mercado americano de energias limpas. Sob o inacreditável argumento da "indústria nascente", esta tarifa secundária de US$ 0,14 por litro de etanol, aplicada pelos EUA (que equivale a mais de 30% do valor FOB do produto), vem sendo periodicamente renovada há 30 anos! O fato é que neste ano, enquanto o Brasil produzirá 28 bilhões de litros de etanol, os americanos já estarão ultrapassando os 40 bilhões de litros, garantidos por um mandato governamental que subsidiará a incrível meta de consumo de 136 bilhões de litros de biocombustíveis em 2022. Tal façanha claramente resultou de um lobby agrícola bem estruturado dos produtores de milho daquele país, que terão mercado garantido para até 57 bilhões de litros, complementado por outros 80 bilhões de litros para biodiesel, etanol de celulose (chamado de "segunda geração") e outros combustíveis "avançados" em termos energéticos e ambientais. Se depender do lobby agrícola americano, esse imenso mercado permanecerá praticamente fechado para importações de produtos mais eficientes de outros países. Como bem salientou Lula em sua conversa com Obama, por trás dessa tarifa prevalece uma enorme contradição: por que o petróleo, que é finito e altamente poluente, circula livremente pelo mundo sem qualquer barreira comercial enquanto a sua melhor alternativa comercial, os biocombustíveis - muito mais limpos, renováveis e democráticos em seu alcance geográfico -, são onerados por elevadas tarifas e crescentes barreiras não tarifárias? Enquanto o etanol precisa provar sua sustentabilidade social e ambiental para o mundo, uma atitude que julgamos correta, jamais se pediu que o petróleo fizesse o mesmo nos seus 150 anos de história de poluição, derramamentos e guerras. Basta dizer que, desde o início da guerra no Iraque, o Brasil já pagou mais de US$ 0,5 bilhão em tarifas aos cofres americanos, enquanto o petróleo do Oriente Médio continua entrando nos EUA sem qualquer restrição. Que tipo de "política de segurança energética" é essa, que pune pesadamente as melhores alternativas do mundo moderno para reduzir a dependência do petróleo? O fato é que no ano que vem teremos uma nova chance para tentar eliminar a tarifa sobre as importações americanas de etanol. Isso porque, se a tarifa secundária não for renovada pelo Congresso americano até dezembro de 2010, ela cai naturalmente em 1º de janeiro de 2011. Sabemos que, além do Brasil, diversos grupos estarão se mobilizando em favor da não renovação da tarifa americana em 2010, como as indústrias de rações e alimentos (carnes, lácteos, etc.) que querem reduzir a volatilidade no preço do milho naquele país, além de uma parcela das indústrias automotivas e petroleiras, grupos ambientalistas, acadêmicos e outros atores. A verdade é que a eliminação das atuais barreiras tarifárias ao etanol de cana-de-açúcar seria um vetor fundamental para uma redução mais ambiciosa das emissões de gases de efeito estufa no setor de transporte dos EUA, pois o etanol de cana permite até 90% menos emissões de CO2 do que a gasolina. Dada a notória competitividade do etanol, haveria ainda uma importante redução dos custos para consumidores e dos gastos com subsídios governamentais nos EUA. Por isso, o etanol de cana poderia servir como importante complemento da enorme demanda prevista na legislação americana, de forma previsível e harmônica. Neste momento, porém, a melhor aposta para melhorar as relações Brasil-EUA na área dos biocombustíveis seria ampliar e dar maior consistência ao memorando de entendimentos assinado pelos dois países em março de 2007, acrescentando um "capítulo climático" centrado na inclusão do etanol como alternativa efetiva para mitigar o impacto das mudanças climáticas, criando um mercado global para energias limpas e renováveis. Ocorre que o Poder Executivo dos EUA propôs ao Congresso a criação de um ambicioso programa de combate ao aquecimento global, que deverá premiar bens mais limpos por meio de um sistema de comércio de licenças de emissões, chamado de cap and trade, baseado em metas rígidas de redução de emissões de gases de efeito estufa, acompanhado de mecanismos de comércio de carbono intra e intersetoriais, com possibilidade de compra de créditos em outros países. O presidente Obama já anunciou o ambicioso objetivo de reduzir 80% das emissões de gases de efeito estufa até 2050, em relação ao nível de 2005. Essa mudança radical na postura dos EUA em relação ao tema climático, aliada aos incentivos que serão criados para reduzir a importação de petróleo de países "pouco amigáveis", representa uma extraordinária oportunidade para o Brasil e para outros países em desenvolvimento. Hoje, Brasil e EUA respondem juntos por 70% da produção mundial de biocombustíveis. Os dois países deveriam adotar estratégias comuns e assumir um papel de liderança nas discussões globais sobre mudança do clima e na consolidação do uso de biocombustíveis como alternativa de segurança energética, de mitigação das emissões de gases de efeito estufa e de "democratização" da produção e do uso de energias agrícolas renováveis no mundo em desenvolvimento. Marcos Sawaya Jank, é presidente da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica)