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Eterno improviso no futebol

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Por Redação
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A Vila Belmiro, o pequeno estádio do Santos Futebol Clube, foi cenário, há alguns dias, de uma situação constrangedora. Durante partida do Santos contra o Atlético-MG, um zagueiro atleticano contundiu-se com gravidade na cabeça e caiu desacordado. Houve corre-corre e aflição que chegou ao desespero, quando se descobriu que a ambulância de plantão para eventual resgate dos atletas não podia entrar no gramado, impedida por um degrau intransponível. Após certa hesitação, o jogador foi levado de maca até o veículo e, hospitalizado, acabou por recuperar-se. No entanto, o episódio serviu para lembrar que o País, encantado com os moderníssimos projetos para a Copa de 2014, tem problemas estruturais graves na maioria de seus estádios, que põem em risco tanto jogadores quanto torcedores.Flagrada em sua incompetência, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) tratou de anunciar de um dia para o outro a criação de uma Comissão Nacional de Inspeção aos Estádios - o mais espantoso é que, até agora, não existisse um órgão responsável pela fiscalização dessas arenas esportivas. Mas a CBF parece apenas "jogar para a torcida", isto é, responder à pressão da opinião pública, pois não se sabe quantos integrantes terá o novo órgão nem que tipo de qualificação técnica será exigida deles. Se for levado a sério o escopo anunciado pela CBF, no entanto, haverá muito trabalho, porque a promessa é vistoriar estádios usados em todos os campeonatos da entidade - ou seja, as quatro divisões do Campeonato Brasileiro e a Copa do Brasil, entre outros. Hoje, muitos estádios são liberados para jogos de futebol malgrado seus evidentes problemas estruturais. Embora sejam verdadeiras arapucas para torcedores e para atletas, esses espaços são aprovados por federações locais, sem o rigor que a finalidade impõe - qual seja, a de abrigar milhares de pessoas num evento esportivo.No mais das vezes, tal situação gera apenas desconforto para os frequentadores dos estádios e os profissionais envolvidos no futebol. Mas há momentos em que o descaso pode provocar tragédias. Um exemplo ocorreu em Salvador, em novembro de 2007, quando uma parte da arquibancada do Estádio Fonte Nova cedeu, causando a morte de oito pessoas. Havia 60 mil torcedores no local no momento da tragédia. Um mês antes, um estudo do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia (Sinaenco) alertava que o estádio, construído em 1951 e gerenciado pelo governo da Bahia, estava com suas arquibancadas "em ruínas" e que seu estado geral era "lastimável", sem "nenhum conforto e segurança para os usuários". É o caso de perguntar como um estádio nessas condições é liberado para jogos de futebol, ainda mais em partidas cuja afluência de espectadores é enorme.Na Inglaterra, em 1989, a morte de 96 pessoas esmagadas durante um jogo em Sheffield, ocorrida devido à superlotação do estádio e a problemas de infraestrutura, foi o estopim para uma mudança radical no futebol do país. O governo ordenou que houvesse uma reformulação nos estádios ingleses, de modo a garantir a segurança dos torcedores e dos atletas. Desde então, o campeonato local é o mais sofisticado e lucrativo do mundo.No Brasil, o caminho da mudança parece ser bem mais longo. Aqui, ir ao estádio requer coragem: o estudo do Sinaenco mostrou que 95% dos banheiros das arenas estavam em condições ruins ou péssimas e em 60% dos estádios havia pontos cegos, isto é, locais em que o consumidor que pagou ingresso simplesmente não conseguia ver uma parte do campo. Com exceção dos estádios construídos para a Copa, é improvável que, desde que o estudo foi feito, em 2007, a situação tenha se alterado significativamente. Basta ver que, no charmoso e admirado Pacaembu, administrado pela Prefeitura de São Paulo, ainda hoje não há banheiros masculinos em número suficiente, de modo que os torcedores têm de fazer fila para usar os desconfortáveis sanitários químicos - um símbolo eloquente desse eterno improviso que é o futebol brasileiro.