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EUA - ex-alunos versus escolas de Direito

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Por ROBERTO MACEDO
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Pela edição de 22 de março do DealBook do jornal The New York Times, um serviço de notícias financeiras, inclusive de questões jurídicas nesse âmbito, soube que nove ex-alunos processaram a Escola de Direito de Nova York (NYLS) alegando que ela os enganou quanto às perspectivas de emprego para seus graduados (a notícia pode encontrada no Google buscando DealBook NY Times March 22 2012).Para disputar alunos várias instituições de ensino dos EUA fazem referência a essas perspectivas. Assim, na mesma edição do DealBook, uma universidade anunciava que os profissionais que forma têm uma perspectiva de emprego 12% maior que a média nacional das demais universidades. E seu portal afirma que ela tem o maior serviço de colocação em empregos se comparada ao de qualquer outra na área metropolitana de Nova York.A notícia diz que um advogado local já acionou mais 13 escolas de Direito, acusando-as também de iludir estudantes. Quanto à NYLS, argumentou que ela levou seus clientes a acreditar que pelo menos 90% dos formados conseguiam emprego em tempo integral como advogados. Alegou que tais informações eram enganosas porque incluíam empregos em tempo parcial, incluindo alguns que não exigiam formação em Direito.O juiz negou a indenização solicitada, dizendo que os queixosos descarregaram seu desapontamento e sua angústia contra a escola em que se formaram. Ainda que expressando alguma simpatia pela causa, ele a considerou não meritória, essencialmente um caso conhecido como caveat emptor. Ou seja, em que o risco é do comprador, de serviços educacionais, nesse caso. Entretanto, reconheceu que as escolas de Direito deveriam ser mais claras quanto aos dados que publicam sobre o mercado de trabalho do ramo.Passando ao Brasil para uma comparação, aqui a oferta de pessoas com curso superior ainda é pequena relativamente à das que têm só o curso médio ou outro de nível inferior. Mas essa situação está mudando, dado que, nos últimos anos, a oferta do primeiro grupo cresceu bastante, mas a demanda não o favoreceu como o fez com o segundo. Uma das implicações foi que, em média, os salários dos que concluíram faculdades subiram bem menos que os daqueles que não alcançaram esse nível educacional. Ainda assim, a remuneração dos que o concluíram permanece, em média, bem mais alta do que a daqueles com menor nível de instrução. Ademais, os primeiros continuaram encontrando oportunidades de emprego, ainda que muitas vezes em ocupações atípicas da profissão escolhida. Por exemplo, bacharéis em Direito trabalhando como atendentes bancários. Mesmo assim, não se percebe um forte interesse pela capacidade de cada faculdade de ter seus graduados trabalhando em ocupações típicas da área de estudos escolhida. Essa questão, contudo, receberá maior ênfase na medida em que continuar o aumento do número dos que não encontram ocupações desse tipo.Especificamente quanto às faculdades de Direito, as que se empenham em atrair alunos apregoam suas qualidades, quando as têm, mas poucas ressaltam a capacidade de seus graduados encontrarem ocupações típicas, como as de advogado e de magistrado. Se convenientes, elas mencionam suas taxas de sucesso no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que credencia bacharéis para exercerem a profissão. Como o ingresso nas escolas não é dos mais difíceis, e ainda é forte no Brasil a cultura bacharelesca voltada para essa área, o grande número de formandos supera bastante o das oportunidades de trabalho na área. O que o exame da OAB faz é represar o estoque de bacharéis e liberar uma quantidade bem menor para receber a carteira da entidade.Cabem políticas públicas para a questão mais ampla que esse quadro também revela. Nosso sistema de ensino superior é fundamentalmente baseado na especialização precoce, porque a formação profissional ocorre já na graduação. Aliado a tradições culturais e à falta de uma orientação profissional adequada, esse sistema leva muitos jovens a acreditar que com seu diploma conseguirão ocupações típicas da especialização escolhida. Mas, de um modo geral, vem ocorrendo um sensível descolamento entre as profissões e suas ocupações típicas. Isso não chega a ser um problema, pois um sistema de ensino não tem condições de formar, em cada profissão, um número de pessoas bem próximo do das vagas disponíveis em suas ocupações típicas.Assim, a quem está no ensino médio deveriam ser fornecidas informações esclarecedoras sobre essa situação, para disseminar a percepção de que muitos encontrarão somente ocupações atípicas da especialização recebida. Além disso, caberia adotar ciclos básicos interdisciplinares nos cursos de graduação, pois facilitariam o ajuste a um leque mais amplo de ocupações. Entre outros resultados, isso pouparia recursos econômicos, como os associados à necessidade de cursos adicionais e a trocas de cursos, ao lado de reduzir as frustrações correspondentes.Especificamente nas instituições de ensino superior, também seria importante instituir e ampliar serviços de apoio às carreiras profissionais dos seus estudantes, em particular os voltados para sua colocação no mercado de trabalho e para o entendimento de como ele funciona.Infelizmente, estamos longe dessas mudanças, pelas quais vejo muito interesse quando discuto perspectivas profissionais e ocupacionais com estudantes do ensino médio e superior. De autoridades educacionais a professores em sala de aula, passando pelos administradores de escolas, no ensino superior, que conheço mais de perto, há, em geral, uma forte atitude conservadora de práticas antigas e um acentuado desinteresse pelas necessidades dos seus estudantes diante da realidade do mercado de trabalho.

 

*ECONOMISTA (UFMG, USP, HARVARD), PROFESSOR ASSOCIADO À FAAP, É CONSULTOR ECONÔMICO DE ENSINO SUPERIOR