Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Euforia perigosa

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Por Redação
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Surtos de euforia acabam mal e a experiência do Brasil e de outros latino-americanos é a confirmação mais evidente dessa regra. É hora de levar a sério essa lição, porque a economia brasileira dá sinais inequívocos de muito aquecimento. Pelo menos uma pessoa, no Ministério da Fazenda, parece notar o risco. Segundo o secretário de Política Econômica, Nelson Barbosa, a projeção oficial de crescimento poderá ser revista para cima, com elevação do teto de 6% para 6,5%. Nesse caso, o governo poderá adotar medidas para conter o gasto federal e moderar o ritmo da economia. No mesmo dia, terça-feira, o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou o Panorama Econômico do Hemisfério Ocidental. A rápida recuperação do Brasil e de um grupo de exportadores de produtos básicos ? todos fortemente vinculados aos mercados financeiros ? é um dos destaques. Esses países vão bem e são favorecidos pelas boas condições de financiamento, mas é preciso ir com cuidado.O principal desafio para esses países, segundo o estudo, é remanejar os instrumentos de política econômica para evitar bolhas, conter pressões inflacionárias e evitar problemas nas contas externas. A lição do passado é evocada: períodos de financiamento farto e rápido crescimento desembocaram, com frequência, em recessões.Em países onde o potencial produtivo está sendo ocupado velozmente será preciso iniciar o ajuste mais cedo. É o caso do Brasil. O risco de superaquecimento já foi apontado no Panorama Econômico Mundial, divulgado em abril pelo FMI. A maior parte dos indicadores brasileiros o confirma. A distância entre o produto real e o potencial é cada vez menor, no setor industrial. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o uso da capacidade instalada passou de 81,1% em fevereiro para 82,6% em março, descontados os fatores sazonais. O indicador, segundo a entidade, ainda está 0,6 ponto porcentual abaixo do nível observado antes da crise. Mas essa ressalva está longe de ser, como pretendem seus autores, tranquilizadora: quando a crise chegou, em 2008, a economia nacional estava inegavelmente superaquecida e o rápido aumento das importações comprovava esse fato.O quadro atual é muito parecido, com sensíveis pressões inflacionárias e um rápido encolhimento do saldo comercial. De janeiro a abril, a receita das vendas ao exterior foi 25% maior que a de um ano antes. Mas o gasto com as compras ficou 41,8% acima do registrado nos primeiros quatro meses de 2009. Comparados os dois períodos, o superávit comercial diminuiu de US$ 6,7 bilhões para US$ 2,2 bilhões. A média diária encolheu 67,4%. A redução do saldo comercial é atribuível a várias causas. Uma das mais importantes é a valorização cambial ? um evento normal em períodos de grande influxo de capitais, como lembram os economistas do FMI. Um dos efeitos da mudança nas condições de comércio é o crescimento do déficit na conta corrente do balanço de pagamentos. Essa conta foi superavitária em vários países latino-americanos, antes da crise. A inversão, no Brasil, começou antes da recessão e agravou-se recentemente. Os economistas do FMI receitam, para redução de riscos, maior rigor fiscal e medidas acauteladoras. Por enquanto, medidas preventivas foram tomadas pelo Banco Central. A primeira foi a elevação dos depósitos compulsórios dos bancos, uma forma de contenção do crédito. O aumento dos juros básicos já começou. Mas uma política fiscal mais severa, com menor expansão do gasto público, permitiria uma política de juros mais branda. Isso reduziria a atração de capitais em busca de ganho fácil e as pressões para valorização do real. Medidas preventivas são especialmente importantes diante dos perigos criados pela crise na Europa. Um surto de aversão ao risco poderá causar problemas graves ao Brasil e a outros emergentes. Também isso torna oportuna a advertência do FMI e o lembrete do jornal Financial Times aos latino-americanos, incluído o Brasil: "As piores quedas", diz o jornal, "ocorrem quando se está cantando de galo."