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Extinção de cargos políticos

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Por Redação
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A extinção decretada pela Justiça de mais de 12 mil cargos comissionados criados ilegalmente em 78 municípios paulistas nos últimos cinco anos - revelada por reportagem do Estado (26/1) - é uma amostra de como se trata o dinheiro público. Apesar do avanço da legislação sobre a contratação de pessoal pelo poder público, gestores municipais continuam a criar cargos de livre provimento -, isto é, que dispensam a realização de concurso público - sem a devida justificativa legal e a preenchê-los de acordo com seus interesses pessoais ou políticos. Essa prática persistente fere a Constituição em diferentes pontos e, por isso, vem sendo coibida, pelo menos em São Paulo, por iniciativa da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado.O Tribunal de Justiça de São Paulo, ao qual compete apreciar e julgar atos administrativos dos prefeitos, acolheu as impugnações feitas pelo Ministério Público e considerou inconstitucionais leis municipais que criaram cargos em comissão sem o devido respaldo legal, o que levou à extinção desses cargos.A criação de cargos em comissão e seu provimento por pessoas não concursadas não são ilegais, mas os dois atos - criação e preenchimento - estão sujeitos a normas constitucionais claras. A Constituição estabelece que as funções de confiança devem ser preenchidas exclusivamente por servidores efetivos e os cargos em comissão, por servidores de carreira "em condições e porcentuais mínimos previstos em lei". Ou seja, uma parte dos cargos em comissão deve ser preenchida por servidores concursados e a outra, por pessoas de livre escolha do prefeito ou do respectivo gestor. Essa norma foi instituída pela Emenda Constitucional n.º 19, de junho de 1998. Antes, a liberdade dos prefeitos era maior, pois o texto dizia que as funções de confiança deveriam ser "preferencialmente" preenchidas por servidores de carreira técnica ou profissional.Por desinteresse dos prefeitos e dos vereadores, muitos municípios não dispõem de lei fixando os porcentuais mínimos dos cargos em comissão destinados a funcionários de carreira, o que dá aos gestores (prefeitos, secretários, dirigentes de autarquias, por exemplo) a liberdade de preencher todos de acordo com critérios pessoais ou políticos, que poucas vezes coincidem com o interesse público que deveria determinar essas nomeações.Há, porém, outra exigência constitucional que, por conveniência dos gestores municipais, não vem sendo cumprida em boa parte das nomeações para cargos em comissão. As funções de confiança e os cargos em comissão, diz claramente a Constituição, "destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento".Espertamente, como mostrou a reportagem do Estado, os gestores municipais criaram cargos com títulos como "agente municipal de crédito", "chefe de serviços de gerenciamento de patrulha agrícola", "chefe de serviços de fiscalização de tributos e posturas" e "assessor de diretor". São, pelo menos no nome, atribuições como as exigidas pela Constituição. Mas nome apenas não confere ao cargo a natureza exigida pela Constituição. O Supremo Tribunal Federal (STF) já tem decisão nesse sentido.Decisões como essas não limitam a autonomia dos municípios para legislar sobre assuntos de seu interesse específico e para organizar sua estrutura de modo a atender adequadamente às demandas municipais e a atuar no limite de sua competência, mas os sujeitam à obediência das normas constitucionais e da legislação ordinária. "A liberdade conferida aos municípios para organizar seus próprios serviços não é ampla e ilimitada", argumentou o procurador-geral de Justiça Márcio Fernando Elias Rosa, ao ingressar com ação contra uma lei do município de Guararema. "Ela se subordina a regras fundamentais e impostergáveis, o que exige que essa organização se faça por lei."Recorde-se, ademais, que entre os princípios constitucionais que regem a administração pública estão o da impessoalidade - para assegurar que os atos públicos atendam ao interesse público e não a interesses pessoais - e o da moralidade, que as pessoas de bem conhecem.