Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Falta a opção pela competência

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

O governo decidiu dar prioridade ao crescimento, disse o secretário do Tesouro, Arno Augustín, tentando justificar, pelo menos em parte, a arrecadação ruim deste ano. O baixo ritmo da produção prejudicou a receita de impostos e contribuições, mas também os incentivos ao setor privado afetaram o recolhimento de tributos. As desonerações, disse o secretário, podem afetar o resultado das contas públicas a curto prazo, mas "são necessárias para construir uma equação fiscal favorável no longo prazo". Trocando em miúdos: a troca é vantajosa sob todos os aspectos, porque a menor tributação fortalece os negócios, em primeiro lugar, e cria condições, depois, para o governo arrecadar mais. Genericamente, o argumento é sensato e bem conhecido há décadas. Pelo mesmo critério, pode-se admitir um pouco mais de inflação, a curto prazo, para romper a estagnação econômica, e essa manobra também já foi executada várias vezes em muitos países. No Brasil, no entanto, a contrapartida dos incentivos está demorando a aparecer. Aparecerá, segundo o secretário. Fé e esperança podem ser virtudes, mas é difícil, neste caso, acompanhar o otimismo oficial. O governo já concedeu estímulos no ano passado e reforçou-os neste ano. Em 2011 o Produto Interno Bruto cresceu apenas 2,7%. Neste ano, o resultado final será pior que o de 2011 e a expansão poderá ficar abaixo de 2%, segundo a maior parte das projeções divulgadas até agora. Os incentivos foram dirigidos principalmente ao consumo. Quando a insistência nessa política foi criticada, a resposta oficial foi muito simples: ainda há muito espaço para a expansão do consumo, até porque há uma ampla demanda reprimida e muitas famílias ainda serão incorporadas ao mercado. Tudo isso é verdade, mas o argumento tem sido usado como resposta à pergunta errada. A questão relevante é outra: os consumidores foram às compras, mas a resposta da indústria ficou muito abaixo da demanda. Há algo errado e a Confederação Nacional da Indústria já chamou a atenção para os limites da política oficial. Se essa crítica for correta, as esperanças apontadas pelo secretário do Tesouro serão materializadas apenas em parte. Poderá haver alguma reação da indústria, depois de longa estagnação e de um demorado ajuste de estoques, mas o crescimento será medíocre. Uma expansão de 4% ou 5% no próximo ano, depois de dois anos muito ruins, será apenas suficiente para o setor começar a sair do atoleiro. Mas uma nova fase de expansão segura dependerá de outros fatores, incluídos novos investimentos tanto privados quanto públicos. Do lado público, as coisas vão mal, embora o governo, como indicam as contas do Tesouro, tenha investido até setembro 23,3% mais que um ano antes. Mas convém examinar os dados com mais atenção. Boa parte dos desembolsos foi de restos a pagar, porque o governo continua incapaz de investir o valor previsto no orçamento de cada ano. Os investimentos em transportes continuam travados, a sucessão de apagões mostra problemas sérios no setor elétrico (sem contar o atraso dos programas de geração) e até a Petrobrás, a mais dinâmica das estatais, enfrenta dificuldades para realizar seus planos. Ao incluir na agenda a desmobilização de ativos no valor de US$ 14,8 bilhões, a empresa escancara, mais uma vez, os danos acumulados em anos de planejamento defeituoso e de gestão submetida a objetivos políticos do governo. Esses fatos podem parecer desconexos, à primeira vista. Tomados em conjunto, no entanto, revelam problemas muito mais graves que aqueles decorrentes de uma crise conjuntural. Isso vale tanto para as dificuldades de uma indústria acossada pelos concorrentes estrangeiros quanto para uma Petrobrás enfraquecida ou para um sistema elétrico de baixa confiabilidade.Nenhum desses problemas se resolve com incentivos fiscais ao consumo ou com políticas de investimento público divorciadas de critérios de eficiência. A opção pelo crescimento, mencionada pelo secretário do Tesouro, só produzirá resultados relevantes e duradouros com base em critérios mais sólidos que aqueles seguidos até agora.