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Opinião|Fim do ‘cheque especial’ para parlamentares

Atualização:

Quem tem medo do voto distrital? Deputados e vereadores que não têm votos próprios para se eleger e só conseguem uma cadeira no Parlamento com as “sobras”das coligações partidárias.

O atual sistema eleitoral é tão absurdo e desrespeitoso da vontade popular que na cidade de Rio dos Cedros (SC) uma vereadora conseguiu se “eleger” com zero voto. Sim, zero voto! Seu nome estava na coligação PPS-PMDB e ela se tornou suplente de uma vereadora que se afastou do cargo, permitindo que a candidata “zero voto” ocupasse seu lugar na Câmara Municipal. Ora, é justo um sistema eleitoral que usa o voto do cidadão para eleger um parlamentar que não tem votos para conquistar uma vaga no Legislativo?

Quando se vota para deputado ou vereador, o voto não vai apenas para o candidato escolhido pelo eleitor; ele se torna moeda eleitoral da coligação partidária, que é usada como uma espécie de “cheque especial” para eleger candidatos que não obtiveram votos suficientes para conquistar uma cadeira legislativa.

A matemática do quociente eleitoral é confusa e feita para o cidadão não a entender. O caso do deputado Tiririca é ilustrativo para descrever a perversidade do atual sistema eleitoral. Tiririca recebeu um pouco mais de 1 milhão de votos. Para se eleger precisou de pouco mais de 300 mil; o resto dos votos dele (700 mil) migrou para a coligação e serviu como “cheque especial” para eleger candidatos que conseguiram pouco mais 20 mil sufrágios.

O eleitor estranha ao ver, no dia seguinte ao pleito, que seu candidato a deputado obteve 100 mil votos, mas não se elegeu; em contrapartida, um candidato da coligação do Tiririca recebeu só 20 mil e foi eleito.

O atual sistema eleitoral contribuiu para o descrédito do Poder Legislativo e para distanciar o eleitor dos seus representantes. Os brasileiros que ocuparam as ruas deixaram um recado claro aos parlamentares: não se sentem representados. De fato, 70% do eleitorado não se recorda em quem votou para deputado ou vereador. Se nem sequer lembramos o nome do nosso parlamentar – diz a crença popular –, o parlamentar é uma figura insignificante e o Parlamento, irrelevante.

Evidentemente, o Congresso tem papel preponderante na democracia representativa, é a Casa onde se formulam as leis que regem o País, a nossa vida e as nossas atividades cívicas, sociais e profissionais.

A melhor maneira de reaproximar o cidadão do seu representante é o voto distrital. Ilustremos com a cidade de São Paulo. Sendo a Câmara Municipal composta por 55 vereadores, a cidade seria dividida em 55 distritos eleitorais. Cada distrito elegeria um vereador e os candidatos só poderiam disputar votos no seu distrito eleitoral. Venceria a eleição o candidato mais votado no distrito.

O voto distrital também contribuiria para reduzir significativamente o custo de campanha – estima-se que para eleição de vereador nas grande capitais pode cair 70%. O candidato deixaria de percorrer a cidade inteira atrás de votos, pois seria obrigado a concentrar a campanha apenas no seu distrito. Em vez de dinheiro, o corpo a corpo do candidato com o eleitorado torna-se o principal meio para conquistar apoios, explicar propostas e demonstrar capacidade de debater temas locais (como problemas nos postos de saúde ou coleta de lixo no distrito) e as questões da cidade (como expansão de ciclovias e plano diretor).

A ideia de que o voto distrital transforma o deputado fedeal em mero despachante do bairro não passa de mito. Em nenhuma grande democracia onde vigora esse sistema eleitoral, como Inglaterra ou EUA, o Parlamento se tornou uma grande Câmara Municipal. É evidente que o parlamentar tem de defender os interesses do seu distrito, mas a maioria dos temas a serem debatidos no Legislativo tem que ver com questões que transcendem a esfera do distrito e se refere aos assuntos pertinentes ao País e às cidades. 

O voto distrital permitirá ao cidadão cobrar e fiscalizar melhor o trabalho, a atuação do seu representante.

É louvável o projeto de lei que institui o voto distrital para vereador em cidades com mais de 200 mil eleitores, já aprovado pela maioria dos senadores na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Se aprovado na Câmara dos Deputados, permitirá testar já nas eleições municipais de 2016 o sistema distrital nos principais municípios brasileiros. Os eleitores das grandes cidades terão a oportunidade de escolher os seus vereadores da mesma maneira que elegemos prefeitos, governadores, senadores e presidentes da República, de forma majoritária, direta: conquista a vaga na Câmara Municipal o candidato que obtiver o maior número de votos no seu distrito. 

O voto distrital vai extirpar os parlamentares que entram nos Legislativos pela porta dos fundos, isto é, com os votos das coligações partidárias. Os sem-voto perderão a chance de se eleger beneficiando-se da artimanha do quociente eleitoral. 

Os partidos nanicos sabem que o voto distrital vai acabar com seu poder de barganha na negociação do horário de televisão em troca de apoio à coligação que ajuda a eleger seus candidatos inexpressivos e insignificantes. Os Tiriricas também perderão sua relevância eleitoral, pois seus votos não poderão ser mais usados como “cheque especial” que ajuda a eleger o trem da alegria dos sem-voto.

Manter as regras do atual sistema eleitoral, que cassa o poder do eleitor de escolher diretamente o seu parlamentar, é uma afronta à democracia, à liberdade de escolha, à vontade soberana do povo e à legitimidade do Parlamento. A verdade é que os defensores do atual sistema eleitoral combatem o voto distrital porque, ao proporcionar mais poder ao cidadão e dar mais transparência ao processo eleitoral, temem perder poder e votos. Ruim para eles, bom para o Brasil.

*Luiz Felipe D'ávilla é diretor-presidente do Centro de Liderança Pública (CLP)

Opinião por Luiz Felipe D'ávilla