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Opinião|Fôlego para manter a liderança

É essencial não se acomodar, precisamos defender e valorizar a universidade pública

Atualização:

Pela primeira vez em sua história, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) foi classificada como a melhor universidade latino-americana no prestigiado ranking da revista Times Higher Education. O resultado reflete um árduo trabalho de todos os setores da universidade no que se refere à formação acadêmica, ao impacto das pesquisas realizadas, bem como às diversas ações de extensão e atendimento na área de saúde. Outro fator preponderante, a participação do setor produtivo, em que a Unicamp tem sido protagonista no cenário latino-americano desde a criação da Agência de Inovação, há quase 15 anos. Exemplo marcante dessa ação é que hoje há mais de 430 empresas ativas denominadas “filhas da Unicamp”, gerando mais de 22 mil empregos diretos e com faturamento anual de R$ 3 bilhões, o que equivale a uma vez e meia o orçamento da universidade. A preocupação, entretanto, é ter fôlego suficiente para manter essa posição, e os desafios que temos de enfrentar para avançar ainda mais.

As três universidades públicas paulistas – USP, Unicamp e Unesp – representam um patrimônio incontestável para o País. Apesar de constituírem um sistema relativamente jovem, estão entre as melhores da América Latina, com indicadores acadêmicos e contribuições que justificam o esforço que a sociedade tem feito para mantê-las. Grande parte desses avanços é possível graças à autonomia administrativa concedida no final dos anos 1980 pelo governo do Estado às três instituições, o que acelerou o avanço rumo à excelência acadêmica.

Após a autonomia, todos os indicadores acadêmicos apresentaram salto significativo, com destaque para a pesquisa inovadora e comprometida socialmente, a ampliação da área de atendimento à saúde e a qualificação de servidores e docentes. As universidades consolidaram sua institucionalização, melhoraram seus processos de decisão colegiados e, assim, a autonomia com vinculação orçamentária se tornou um bem a ser preservado, pois permite a gestão dos recursos segundo prioridades pactuadas e previamente discutidas no planejamento estratégico da universidade, em diálogo com a sociedade.

Apesar do sucesso inegável do exercício da autonomia, há problemas que precisam ser debatidos, porque dizem respeito à sustentabilidade financeira de longo prazo. Uma das mais fortes evidências dessas dificuldades aparece hoje com a crise orçamentária que assola as três universidades públicas paulistas, mas não é exclusividade delas. A crise econômica, com substancial queda na arrecadação e de repasses de recursos às universidades, associada a aumento de gastos, produziu o preocupante cenário atual. As três instituições estão com seus orçamentos fortemente comprometidos com a folha salarial. A gravidade da crise orçamentária e o risco de perda da autonomia impõem gestão ainda mais responsável com a sustentabilidade econômica de longo prazo. Hoje a autonomia é questionada pela mídia e surgem discursos privatistas.

É fundamental responder a esses ataques de maneira contundente, melhorando as ações de comunicação para explicitar os inúmeros benefícios decorrentes do investimento em educação superior pública de qualidade e, paralelamente, agindo com responsabilidade no manejo do orçamento, para recuperar a saúde financeira. Neste momento de crise, a universidade pública deve inovar e ser exemplo e inspiração, pois a sociedade demanda uma nova forma de governança dos órgãos públicos e a universidade deve ser um celeiro de novas ideias. Isso demanda parceria mais eficaz com diversos setores da sociedade e todos os níveis governamentais.

A melhor defesa da universidade pública está na tomada de decisões autônomas e responsáveis, com transparência. As decisões com impacto orçamentário devem ser sustentáveis e dar prioridade à expansão de vagas na graduação e na pós-graduação, à qualificação da pesquisa, às estratégias de inclusão, com melhoria dos programas de apoio à permanência estudantil, à ampliação dos atendimentos na área de saúde e de projetos de extensão, à inovação tecnológica e à atuação mais efetiva nos campos da educação básica, das artes e da cultura.

Para manter a liderança é essencial não se acomodar. É importante discutir a formação contemporânea de nossos estudantes, com modernização dos currículos e estratégias inovadoras no processo ensino-aprendizagem, que aprimorem a capacidade inovadora de resolver problemas em diferentes cenários e, portanto, ainda mais competentes para o mundo do trabalho, em constante transformação. Além disso, é fundamental que a sociedade esteja representada na universidade pública e para isso a Unicamp propõe políticas de inclusão articuladas em três eixos de ação: ampliação do acesso, permanência e desenvolvimento acadêmico. Ampliaremos as oportunidades de ingresso na Unicamp debatendo critérios de cotas étnico-raciais, utilização do Enem e ampliação do Programa de Formação Interdisciplinar Superior (ProFIS). O ProFIS é um curso de formação geral de dois anos, único no cenário da educação superior brasileira, com resultados consolidados em termos de inclusão social regional e que permite o acesso de estudantes de escolas públicas à universidade sem vestibular.

Outro ponto importante é a implementação do Portal da Transparência, para apresentar à sociedade não só os benefícios que a universidade oferece, mas também como os recursos são investidos e as decisões tomadas. A defesa da universidade pública deve ser pautada tanto pela eficácia no cumprimento dos seus objetivos quanto pela completa transparência das suas ações.

A ação simultânea em todas essas frentes deve estar orientada pelo compromisso mais amplo com a sociedade, que deposita confiança e esperança na universidade pública. Precisamos ser capazes de defender e valorizar a universidade pública, gratuita, de qualidade e com autonomia, para que possa atender às exigências das transformações acadêmicas, científicas, tecnológicas, sociais, artísticas e culturais de nossos dias.

*Reitor da Unicamp