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Frágil acordo no Iraque

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Por Redação
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Não fosse o Iraque um assunto sério, talvez seria o caso de recorrer ao desdenhoso termo Hay gobierno, seguido de um ponto de interrogação, para caracterizar o arranjo extremamente precário a que chegaram os briguentos políticos de Bagdá - sob pressão dos EUA e com aval indireto do Irã - para superar um impasse que se arrastava há 8 meses. Nas eleições de março, com efeito, o mais votado foi o Iraqya, principal bloco de oposição ao então primeiro-ministro xiita, Nuri al-Maliki. Liderada por Iyad Allawi, que governou o país interinamente em 2004, a coalizão secular predominantemente sunita obteve 91 das 325 cadeiras do Parlamento - apenas 2 a mais do que a aliança Estado de Direito, de Maliki. Num sistema político fragmentado por agrupamentos etnorreligiosos que espelham a divisão do país entre xiitas (60% da população), sunitas (20%) e curdos (17%) e ainda por uma profusão de grupelhos que se aliam ou se guerreiam com a mesma facilidade, nem Allawi poderia formar um governo de minoria nem Maliki poderia forjar um governo de coligação que excluísse o adversário.Em países mais homogêneos e onde a democracia não é um experimento recente, as forças políticas têm um certo traquejo para desatar esse tipo de nó que não é incomum nos regimes parlamentaristas pluripartidários. Seria demais pedir o mesmo do Iraque, onde estão longe de cicatrizar as feridas abertas pelos conflitos sectários que praticamente degeneraram em guerra civil entre 2005 e 2007.Mas até nesse país onde, passados 7 anos da invasão americana, ainda falta luz todos os dias na capital, a persistente paralisia do Estado não apenas esgotou as paciências, como também propiciou a volta da violência em grande escala. Desde agosto, por sinal, não há mais tropas americanas de combate no Iraque. Assim, aos trancos e barrancos, Maliki e Allawi finalmente chegaram a um acordo pelo qual um continuará primeiro-ministro e o outro chefiará um ainda indefinido Conselho de Segurança Nacional e Econômica.O acordo acabou de ser costurado na noite da última quarta-feira e no dia seguinte foi aprovado pelo Parlamento, graças à adesão dos seguidores do clérigo radical xiita Moqtada al-Sadr, transformados em fiel da balança. Ao que tudo indica, ele foi persuadido pelos seus correligionários iranianos a apoiar a recondução do primeiro-ministro a quem hostilizava - Maliki passou anos exilado em Teerã, até o fim do regime de Saddam Hussein. O Irã não quer um Iraque desestabilizado. Quer um Iraque onde os xiitas façam parte do poder e que, arquivadas as memórias de 8 anos de guerra, ambos tenham relações próximas - o que não é de pouca monta para o país persa, malquisto pelos governos árabes sunitas. Tal é a fragilidade inerente aos acertos políticos iraquianos, porém, que cerca de 3 horas depois de aberta a sessão destinada a ratificar o chamado governo de unidade nacional, sob Maliki, o negócio começou a fazer água.Agastado por não ter conseguido colocar na ordem do dia projetos de seu interesse - um dos quais consistia em invalidar a decisão que tornou inelegíveis 3 dos seus candidatos por alegada lealdade ao proscrito Baath, o partido de Saddam, Allawi comandou a retirada do plenário dos 56 membros de sua bancada, no bloco Iraqyia. Pode ter sido apenas um "soluço", no dizer de um diplomata americano envolvido na operação de aproximar os dois chefes partidários.De fato, o protesto não impediu que o Parlamento desse curso à formação do novo governo, com a reeleição de Jalal Talabani para o cargo basicamente cerimonial de presidente da República, mas que os curdos consideram prova de prestígio da etnia. Mas já começou a briga pelo alcance do posto que Allawi ainda nem aceitou formalmente. Para os partidários de Maliki, as suas funções serão apenas consultivas - com o que o outro lado não concorda.O presidente Barack Obama dizia que o novo governo deveria traduzir a vontade dos iraquianos. Para o New York Times, foi o que aconteceu: o governo será um organismo fracionado, instável, tomado pela desconfiança e propenso ao caos - tal como é o Iraque de hoje.