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Fuerza, presidente

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Por Redação
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Era de esperar que a oposição investisse contra a decisão do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, de mandar para o arquivo os seus pedidos de abertura de investigação sobre possíveis ilícitos cometidos pelo ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, entre 2006 e 2010, quando acumulava o exercício do mandato de deputado federal com a fantasticamente bem remunerada atividade de consultor de grandes grupos econômicos. O procurador entendeu que as representações a ele encaminhadas não continham "indício idôneo" de que a renda auferida à época por Palocci "adveio da prática de delitos". A oposição retrucou que Gurgel se comportou como agente do governo e não como titular de um órgão de Estado.Mas o que chama a atenção - e lança uma sombra sobre o parecer do procurador - foi a reação dos seus pares do Ministério Público e de promotores de Justiça ouvidos pelo Estado. Uma das críticas mais contundentes partiu de um procurador de Brasília, aludindo ao fato sabido de que, em certos círculos, há cidadãos "mais iguais" do que outros. "Qualquer João da Silva", comparou, "já teria seus registros devassados pela Receita, Banco Central e Polícia Federal (PF), a requerimento do procurador." Outro colega lembrou que o mesmo Gurgel recorreu da decisão judicial que invalidou a Operação Castelo de Areia, da PF, sobre suposto esquema de evasão de divisas envolvendo executivos de uma grande empreiteira e diversos políticos. A Justiça rejeitou a investigação por se basear em denúncia anônima e delação premiada. Gurgel, porém, considerou legítimas as acusações dessas fontes. Dois pesos e duas medidas, portanto.De todo modo, a essência do problema Palocci não reside na esfera jurídica e, sim, no terreno da política. Seria óbvio até para um recém-chegado de Marte que as revelações sobre o seu fulminante enriquecimento, a sua prolongada recusa a se explicar e, por fim, suas inconvincentes entrevistas - nas quais não quis contar quanto ganhou nem de quem e, muito menos, por que exatamente - fortaleceram as suspeitas de que as suas consultorias possam ter sido um biombo para tráfico de influência. E essas suspeitas, que em momentos diferentes levaram a oposição a representar contra ele na Procuradoria-Geral da República, a tentar convocá-lo a depor no Congresso e a buscar a criação de uma CPI no Senado, acabaram reduzindo a pó a autoridade política inerente à sua condição de "primeiro-ministro" da presidente Dilma Rousseff.No Congresso, na sociedade, na mídia - nela incluídos comentaristas de posições consideradas até mesmo antagônicas em relação a outros assuntos - e em setores do próprio governo, Palocci perdeu por completo a confiança sem a qual não pode ser o gerente da administração federal, o principal conselheiro de sua chefe e seu interlocutor por excelência junto à base parlamentar do Planalto. Quando uma figura notória como o chefe da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva, de quem não se dirá que ignora a direção do vento, engrossa o coro dos que cobram da presidente o afastamento de Palocci, salta aos olhos que apenas uns poucos fios ainda o sustêm - e que, para Dilma, cada dia que passa com ele a seu lado é mais um dia de perdas. Para usar um termo do agrado do ministro, a racionalidade, quanto mais não seja, torna a sua permanência uma servidão que a presidente deve - e pode - dispensar.As cartas estão na mesa. Ou Dilma protege Palocci e se condena a arrastar um governo fracionado, como refém do PMDB e das facções que se engalfinham no PT, ou cria coragem para reconstruir a sua presidência e finalmente assumir as suas intransferíveis responsabilidades políticas. Já não se trata nem da questão ética. A saída de Palocci é a oportunidade para ela reconfigurar a arquitetura dos poderes que recebeu. À sombra dele, a articulação do Planalto com a sua própria gente do outro lado da Praça dos Três Poderes já estava em crise. Não fosse o escândalo, caminharia para um rematado desastre. Pela estabilidade do governo Dilma e o interesse nacional, é o momento de dirigir à pessoa certa a exortação de Hugo Chávez ao ministro alquebrado. Fuerza, presidente. N. da R.: A página já estava fechada quando o ministro Antonio Palocci anunciou a sua demissão.