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Ganhos salariais na crise

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Por Redação
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Contrariando conselhos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e previsões de dirigentes sindicais, mais categorias profissionais pediram e obtiveram ganhos reais de salários no primeiro semestre deste ano do que em igual período do ano passado, quando a crise internacional ainda não havia atingido sua fase mais aguda. Mais do que pedir aumento, os trabalhadores devem contribuir para que as empresas vendam, recomendava há poucos meses o ex-dirigente sindical Lula da Silva. Na época, o mercado de trabalho apresentava um quadro sombrio, com o aumento contínuo do desemprego e estagnação da massa salarial, o que parecia justificar a recomendação, pois, explicava Lula, quanto mais as empresas vendessem, mais emprego poderiam oferecer, o que abriria o caminho para reivindicações de melhores salários. Os dados do primeiro quadrimestre, que mostravam uma clara mudança na tendência observada nos últimos anos - quando o emprego aumentava e a renda do trabalhador crescia -, levavam empresários, dirigentes sindicais e economistas a prever um cenário ruim para as negociações salariais. "Será um ano difícil e com poucas perspectivas de ganhos salariais para os trabalhadores", dizia em maio o diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio. Mas, com a concordância dos empregadores, muitos trabalhadores preferiram não seguir os conselhos do presidente da República e não acreditar nas previsões dos sindicalistas. Assim, as negociações realizadas pelas 245 categorias profissionais com data-base no primeiro semestre tiveram resultados melhores para os trabalhadores do que as concluídas nos seis primeiros meses do ano passado. Segundo o Dieese, 77% das negociações do primeiro semestre deste ano resultaram em ganho real de salário, isto é, tiveram reajustes superiores à inflação de 12 meses medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que baliza as correções salariais, contra 72% no ano passado. Do total de acordos deste ano, apenas 7% tiveram reajuste menor do que o INPC (isto é, resultaram em perda salarial), contra 13% em 2008. Os demais repuseram a inflação. São números surpreendentemente positivos que devem, porém, ser analisados com cuidado. Dos três setores analisados pelo Dieese, a indústria é a que apresenta os piores resultados com relação a emprego e renda. Embora em outros setores já surjam sinais fortes de recuperação, na indústria os dados mais recentes ainda indicam a continuação do processo de deterioração do mercado de trabalho. Segundo a Fiesp, o nível de emprego na indústria paulista caiu 0,32% em julho, na décima queda mensal consecutiva. As demissões, que ocorreram também em outros setores, permitiram que as empresas concedessem aumentos reais aos empregados, sem necessariamente aumentar seus gastos com pessoal. Ou seja, o custo dos aumentos reais dos salários foi repartido entre os próprios trabalhadores; para parte deles, o preço foi a perda do emprego. "Não ocorreu aumento da massa salarial dos trabalhadores do setor formal", observou o coordenador de relações sindicais do Dieese, José Silvestre Prado de Oliveira, ao apresentar os dados das negociações do primeiro semestre. De todo modo, esses dados mostram que os efeitos da crise sobre o mercado de trabalho brasileiro foram menores do que os registrados nos países industrializados e do que se previa no fim do ano passado e no início deste. O comportamento da inflação, que se manteve baixa nos últimos meses, ajudou a melhorar os resultados gerais das negociações salariais, pois, mesmo com índices de correção relativamente baixos, muitos acordos resultaram em ganhos reais. Por isso, em valores, os ganhos registrados neste ano são modestos, em média menores do que o de anos anteriores. Mesmo assim, eles levam à previsão de que, no segundo semestre, as negociações devem ser ainda mais favoráveis para os trabalhadores. Com certeza, elas serão mais tranquilas do que as do segundo semestre de 2008, quando ninguém podia prever como a crise afetaria a economia brasileira.