03 de julho de 2011 | 00h00
Tudo fica ainda pior quando a essa dificuldade estrutural se soma a inexperiência, ou a inaptidão, do presidente da República para manter sua maioria no Congresso sob relativo controle. É o que se tem visto, uma vez e outra e outra ainda, no governo Dilma Rousseff. Não se lhe fará a injustiça de ignorar que ela procura dar o melhor de si no desempenho da função. Mas tampouco se pode imaginar que ela desconhecesse, ao tomar posse, as realidades do exercício do poder no País, das quais faz parte a disposição dos políticos de pagar para ver a mão de quem, conforme o seu patrimônio de liderança, ou aprenderão a respeitar ou insistirão em chantagear. Não se trata, da perspectiva do Planalto, de escolher entre a tutela e a submissão às forças partidárias que formam sua maioria no Congresso. Trata-se de se entender com elas, numa sintonia fina que a presidente está longe de saber dominar.
Políticos têm sensibilidade incomum para farejar a insegurança dos seus interlocutores e tirar disso o proveito que conseguirem. Eles endureceram o jogo com Dilma por apostar, à luz do seu comportamento, que tinham uma boa chance de levar a melhor numa questão para eles essencial: a da liberação de verbas para as obras que patrocinam em seus redutos e graças às quais têm meio caminho andado para ganhar a eleição seguinte. Confrontado com a alta da inflação, o governo decidiu passar a tesoura em R$ 50 bilhões para chegar a um resultado fiscal no seu entender satisfatório. Os cortes atingiram em cheio as emendas parlamentares ao Orçamento. Quinta-feira, por exemplo, expirava o prazo para a liberação de R$ 4,6 bilhões em recursos do Orçamento de 2009 cujo desembolso ficara para anos seguintes e acabou bloqueado no fim do governo Lula - os tais "restos a pagar".
Dilma não poderia ter sido mais taxativa ao comunicar a sua decisão de não prorrogar o bloqueio, invocando o rigor fiscal. A base, o PT incluído, retrucou com o bloqueio da tramitação de projetos de interesse do governo, a começar da medida provisória que institui um programa de acesso ao ensino técnico, e com a ameaça de aprovar duas pródigas propostas - a emenda constitucional sobre os repasses da União destinados à saúde pública e o projeto que eleva os salários de PMs e bombeiros em todo o País. Não deu outra: diante da chantagem aliada, deu o dito por não dito e prorrogou por 90 dias o pagamento dos restos. Tudo parecia a caminho do apaziguamento quando o loquaz ministro da Fazenda, Guido Mantega, condicionou a prorrogação à suspensão, durante igual período, de novas liberações de emendas. E, mais uma vez, foi um corre-corre para explicar à base que o que valia era a palavra da presidente e não a do ministro.
O episódio dos restos a pagar é, por baixo, o terceiro tropeção do governo em assuntos relevantes, depois da votação do Código Florestal e do zigue-zague de Dilma no caso do sigilo eterno (ou limitado a 50 anos) dos papéis oficiais considerados ultrassecretos. A repetição não deixa dúvidas: a presidente governa por ensaio e erro, e o seu governo é a coisa mais parecida que existe em Brasília com uma sanfona. Não adianta culpar por isso o disfuncional sistema político. Dilma é que tarda a assumir a sua responsabilidade primária: encarnar na Presidência.
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