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Governos de fachada

Há que ter muito cuidado ao tomar como verdadeiras as declarações de colaboradores da Justiça que, antes de tudo, têm como propósito maior a obtenção de benefícios penais

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Por Redação
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A prisão do governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (MDB), a cerca de um mês do fim do seu mandato, é o epílogo da triste história da derrocada do Estado. Pezão é acusado de ser o sucessor do ex-governador Sérgio Cabral não só na chefia do Executivo fluminense, mas na gestão do monumental esquema de corrupção que fez do Rio terra arrasada.

"Há um indicativo de que houve sucessão de pessoas partícipes da organização criminosa mesmo depois das prisões já feitas", disse a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, em entrevista coletiva após a prisão. A continuidade delitiva, segundo a PGR, foi uma das razões para o pedido de prisão preventiva de Pezão, sem prazo determinado.

Pezão foi preso na manhã de quinta-feira passada no Palácio Guanabara, sede do governo estadual. Foi a primeira vez que um governador do Rio foi preso no exercício do mandato. De acordo com a Operação Boca de Lobo, assim chamada em alusão aos canais que levam ao esgoto, ele teria recebido R$ 39,1 milhões de propina, incluindo "mesada" de R$ 150 mil, entre 2007 e 2014, paga pelo ex-operador do esquema de Sérgio Cabral, Carlos Miranda. O governador também teria ganhado bens de luxo para sua casa em Piraí, no interior do Estado, e teria despesas pessoais pagas por empresas que mantinham contratos com o governo do Rio.

Carlos Miranda hoje é um colaborador da Justiça. A prisão de Luiz Fernando Pezão tem como base o acordo de colaboração premiada firmado entre ele e o Ministério Público Federal (MPF). No primeiro depoimento após a prisão, o governador negou todas as acusações.

Há que ter muito cuidado ao tomar como verdadeiras as declarações de colaboradores da Justiça que, antes de tudo, têm como propósito maior a obtenção de benefícios penais. Mais prudência se deve ter quando a chamada delação premiada serve como base para a prisão de quem quer que seja. Não foram raros os casos em que estes acordos levaram a denúncias ineptas e à destruição de reputações pessoais sem que os crimes supostamente praticados pelos delatados fossem comprovados. A PGR afirmou que a prisão de Pezão não se baseou exclusivamente nos depoimentos prestados por Carlos Miranda, mas em um "conjunto de provas documentais apreendidas há cerca de dois anos", como afirmou o procurador Leonardo de Freitas, do MPF do Rio de Janeiro.

Desde 2016, o Rio está sob estado de calamidade financeira. A debacle econômica do Estado, que levou ao sucateamento dos serviços públicos e à instalação de um permanente estado de medo e insegurança, é apenas a faceta mais visível de um bem engendrado plano de tomada do Estado para fins escusos que vem de muito tempo. Prova disso é que, à exceção de Benedita da Silva, todos os governadores do Rio eleitos de 1998 para cá ouviram um policial dar-lhes voz de prisão. A rapinagem não se reduz ao Executivo. Além de Cabral e Pezão, e vários ex-secretários de seus governos, hoje estão presos dez deputados estaduais – sendo dois deles ex-presidentes da Assembleia Legislativa: Jorge Picciani e Paulo Melo –, cinco conselheiros do Tribunal de Contas do Estado e um ex-procurador-geral, Cláudio Lopes.

De acordo com o MPF, o esquema criminoso que arrasou o Rio operava desde 1995 e envolve políticos de vários partidos, apenas mudando de direção a partir de rachas internos – como o havido entre Sérgio Cabral e Anthony Garotinho – e as trocas de comando após as disputas eleitorais. Há mais de duas décadas, portanto, a impressão que se tem é que quase todos os governadores do Rio fingiram que governavam o Estado enquanto, na verdade, locupletavam-se no poder.  Toda a estrutura da administração pública foi tomada como uma inesgotável fonte de roubalheira, um mar de possibilidades delitivas que causam ao observador o mesmo espanto, para o mal, que a beleza daquele litoral causa para o bem.

Não surpreende que em 2018 os fluminenses tenham elegido um neófito em política para governar o Estado. Oxalá, tenham acertado.