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Grave desequilíbrio

O plenário da Câmara dos Deputados não representa com justiça a proporcionalidade da população brasileira em cada unidade da Federação. Ou em outras palavras: há cidadãos brasileiros cujos votos valem mais do que os de outros

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Por Redação
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O plenário da Câmara dos Deputados, local onde são tomadas algumas das mais importantes decisões para a vida nacional, não representa com justiça a proporcionalidade da população brasileira em cada unidade da Federação. Ou em outras palavras: há cidadãos brasileiros cujos votos valem mais do que os de outros. E com resguardo da lei, o que é pior.

A Casa compõe-se de representantes do povo, eleitos pelo sistema proporcional em cada Estado e no Distrito Federal. É o que está disposto no artigo 45 da Constituição. Entretanto, a fixação do número de deputados - 513 -, bem como a representação por Estados, proporcionalmente à população, com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano que antecede as eleições, estão regulamentadas pela Lei Complementar (LC) n.º 78 de 1993, que estabelece que nenhum Estado terá menos de 8 e mais de 70 deputados.

Há 25 anos, quando a lei foi sancionada, já era perceptível a injusta distorção do quadro de representação federativa. Naquela época, o voto de um cidadão de Roraima valia 17 vezes mais do que o voto de um cidadão de São Paulo. Hoje, este desequilíbrio caiu para 9 vezes, mas ainda revela um descolamento da realidade que precisa ser revertido no Congresso Nacional o quanto antes.

Um levantamento feito pelo Estado mostrou que desde a sanção da LC 78/1993 houve um aumento do desequilíbrio federativo. De acordo com o Estadão Dados, as populações de 23 das 27 unidades da Federação estão mal representadas na Câmara dos Deputados.

Embora tenha uma bancada de 70 deputados - o limite legal -, São Paulo continua sendo o Estado mais prejudicado pelas atuais regras de representação. “A distorção é clara e seria fundamental rever essa regra, alterando a proporcionalidade. A atual organização dificulta tanto o processo eleitoral, quando um candidato precisa de mais votos que outros para eleger-se, quanto o equilíbrio dos interesses regionais”, diz Murilo Gaspardo, diretor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp).

Em abril do ano passado, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado aprovou o Projeto de Lei do Senado (PLS) 315 de 2016, que altera a representação por Estado na Câmara dos Deputados. Caso tivesse sido votado a tempo pelo plenário, valeria para a próxima legislatura (2019-2023). Mas não foi.

O PLS 315/2016, de autoria do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), leva em conta os dados sobre as populações dos Estados apurados pelo IBGE em 2015. De acordo com esses dados, se o projeto fosse aprovado, São Paulo passaria a ter uma bancada composta por mais 52 deputados, ou seja, passaria dos atuais 70 para 112 deputados. Minas Gerais perderia um deputado, passando dos atuais 53 para 52. Rio de Janeiro também teria reduzida a sua bancada de 46 deputados para 42. O Espírito Santo, fechando os Estados da Região Sudeste, continuaria com 10 deputados.

O desequilíbrio federativo é uma das mais sérias distorções da democracia representativa no País. Foi propositalmente criado para atender aos interesses políticos do governo do general Ernesto Geisel. Entre as medidas constantes do chamado Pacote de Abril, de 1977, estava o aumento das bancadas das Regiões Norte e Nordeste, onde a Arena, partido governista, tinha maior presença, ampliando, assim, a base do governo para controle do Poder Legislativo.

No rol de reformas de que o País tanto precisa para avançar figura, seguramente, uma reforma política que corrija o desequilíbrio federativo no que concerne à representação congressual. Não apenas pelas discrepâncias em relação ao posicionamento de cada uma das unidades da Federação em termos demográficos, políticos e econômicos, mas porque, tal como se apresenta, o modelo é uma grave agressão a um dos pilares da democracia, qual seja, o de que os votos de cada um dos cidadãos valem igualmente. “Um homem, um voto.”