Depois das brigas de facções criminosas dentro dos presídios que deixaram um saldo de mais de uma centena de presos assassinados com requintes de selvageria em penitenciárias do Norte e Nordeste, a greve da Polícia Militar (PM) do Espírito Santo põe em destaque um outro lado da crise de segurança pública no País: o descontentamento das forças encarregadas de manter a ordem pública, que neste caso se transformou numa verdadeira revolta, o que obrigou o poder público a agir com rapidez e tomar medidas drásticas para evitar que a situação escapasse ao controle.
Usou-se naquele Estado uma perigosa forma de pressionar o governo a atender às reivindicações de uma categoria do funcionalismo público. Em vez de os próprios policiais promoverem uma greve, o que seria certamente coibido pela Justiça, na noite de sexta-feira passada familiares e amigos de policiais militares resolveram apoiar as suas reivindicações, cercando os quartéis e impedindo a saída de viaturas para as ruas, em cerca de 30 cidades, a começar pela capital, Vitória.
As graves e facilmente previsíveis consequências dessa tática de greve selvagem – que não se esperava de forças da ordem e deixou aquelas cidades entregues aos bandidos – levaram o governador em exercício, César Colnago (PSDB), a apelar ao presidente Michel Temer, que prontamente autorizou o emprego de contingentes das Forças Armadas e da Força Nacional de Segurança. A gravidade da situação justifica a rapidez dessa providência.
O que aconteceu em Vitória é exemplo da insegurança criada pela greve e que poderia levar o pânico à população. Lojas foram saqueadas por gangues – o que levou a maioria do comércio a fechar as portas –, o número de homicídios aumentou rapidamente, de acordo com a Secretaria da Segurança, e a prefeitura suspendeu o funcionamento das escolas da rede municipal e reduziu ao estritamente necessário o serviço das unidades de saúde. O desabafo de uma moradora resume bem a situação: “A cidade está parada. Com os guardas nas ruas a situação já está difícil, imagina sem eles”.
As autoridades esperam que a normalidade volte com a chegada dos militares e dos policiais da Força Nacional, que vão substituir no patrulhamento das ruas os policiais militares “impedidos” de sair dos quartéis pelos seus familiares. A etapa seguinte para superar a crise é convencer os policiais a voltar ao trabalho. Se, como se espera, eles não fizerem isso movidos pelo que lhes resta de bom senso e pela constatação de que a presença dos militares nas ruas elimina seu poder de chantagem, a solução da crise não será fácil. O secretário de Segurança, André Garcia, advertiu que a segurança pública não pode ser subordinada a interesses corporativos, “por mais legítimos que eles sejam”, mas prometeu “manter as portas abertas” para o entendimento. Uma das grandes dificuldades para isso, porém, é que segundo ele os policiais não fizeram proposta objetiva de reajuste salarial, apenas queixas de que as remunerações e os benefícios que recebem não são satisfatórios.
Quando o problema for finalmente resolvido, será indispensável tirar as lições que se impõem nesse episódio, para evitar que ele se repita em outros Estados, onde também há queixas a respeito dos salários dos policiais. É preciso que os governadores deixem bem claro que reivindicações podem ser apresentadas e discutidas, mas dentro da ordem, ou seja, sem paralisação de um setor vital como esse.
Quanto a isso – e à esperteza de fazer greve por pessoas interpostas, no caso, familiares –, a decisão do desembargador Robson Luiz Albanez deve inspirar colegas seus em casos semelhantes: “O aquartelamento dos militares corresponde a uma ‘greve branca’ (...), daí a ilegalidade do movimento, haja vista a vedação expressa do exercício do direito de greve aos militares”. Essa decisão e a pronta ação do governo federal devem servir de advertência. É inadmissível que a população fique exposta a atos irresponsáveis de quem é pago por ela para garantir sua segurança.