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Hora do realismo na Argentina

Não há mágica para fazer um país crescer de forma duradoura quando imperam gastança e irresponsabilidade no governo

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Por Redação
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Não há mágicas nem truques para fazer um país crescer de forma duradoura, sem preços em disparada e sem crises cambiais, quando imperam a gastança e a irresponsabilidade no governo. Explicar isso ao povo argentino é o desafio encontrado pelo presidente Mauricio Macri depois de negociar um empréstimo de US$ 50 bilhões do Fundo Monetário Internacional (FMI) para arrumar os fundamentos econômicos do país e levar a um crescimento seguro. Ele mesmo definiu essa tarefa depois de participar como convidado, no Canadá, de uma reunião de chefes de governo do Grupo dos 7 (G-7), formado pelas maiores economias capitalistas.

“Discutamos com a verdade sobre a mesa. Não queiramos mais enganar as pessoas dizendo que há soluções mágicas.”  A campanha eleitoral brasileira seria muito diferente, e muito menos assustadora, se a proposta de Macri fosse aceita, aqui, por uns três ou quatro dos pré-candidatos à Presidência da República. Mas a distorção dos fatos e as promessas de soluções mágicas e indolores continuam dominando, num ambiente de ampla desinformação e muita receptividade aos discursos populistas de qualquer coloração ideológica. 

Se Macri for fiel a suas palavras e tiver sucesso na implantação do programa discutido com o FMI, sua próxima tarefa poderá ser muito mais que um esforço de ajuste fiscal, monetário e cambial de um país ainda contaminado pelo vírus do peronismo. Poderá ser o início de uma fase de modernização efetiva e, na hipótese mais otimista, de ruptura com um passado de ilusões e de prosperidade efêmera alternada com crises periódicas. Na mesma entrevista, o presidente falou sobre a necessidade de alcançar, agora, uma lucidez ausente em 70 anos. Não há exagero nesse número. 

O programa combinado com o corpo técnico do FMI inclui objetivos óbvios. A aceleração do ajuste das contas públicas é o primeiro ponto. A instituição já havia criticado o gradualismo seguido pelo governo do presidente Macri para correção do desequilíbrio fiscal. O roteiro agora definido, com o reequilíbrio das contas primárias previsto para 2020, será facilitado pelo acordo de financiamento. A Argentina talvez nem precise sacar integralmente os US$ 50 bilhões. Quanto mais veloz a estabilização fiscal, menor será o saque necessário, lembrou Macri. 

O ajuste, segundo ele, será realizado preferencialmente sem aumento de impostos. Se isso for possível, a dinamização da economia será mais fácil e a estabilização fiscal e monetária, menos penosa. 

O segundo ponto é a adoção de metas mais ambiciosas de combate à inflação. O aumento dos preços ao consumidor continua superando 20% ao ano. Metas mais severas serão alcançadas com menor dificuldade se a arrumação do orçamento público for mais veloz. Os técnicos do FMI insistem no abandono de financiamento do Tesouro por meio do banco central (BC) e defendem efetiva autonomia – legal e operacional – da autoridade monetária. O uso do BC para financiar o executivo foi um recurso considerado normal no governo de Cristina Kirchner. O pessoal do Fundo insiste igualmente na manutenção de câmbio flexível e determinado pelo mercado. O programa se complementa com medidas de apoio aos pobres para atravessar o período de ajustes. 

Desde o início de seu mandato, o presidente Macri tem defendido a modernização das leis trabalhistas, a abertura da economia, acordos com os principais mercados e ações focadas no aumento da produtividade e da competitividade. Essas novas bandeiras foram ainda combinadas com o presidente Michel Temer, mas o trabalho só começou e, no Brasil, poderá ser interrompido, se o populismo retomar o poder. 

Falta ao acordo a aprovação, dada como certa, da diretoria executiva do FMI. Na última semana Macri participou da reunião do G-7, no Canadá, como convidado, porque a Argentina detém a presidência rotativa do Grupo dos 20 (G-20). Todos os chefes de governo do G-7, disse Macri, prometeram apoiar o país. A reunião acabou num impasse, por desacordo entre o presidente Donald Trump e os colegas do grupo. Macri parece ter sido o único a sair com algum ganho. (Ver editorial O futuro do G-7 ameaçado)