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Ideias infelizes na educação

O secretário estadual de Educação, João Cury Neto, apenas conseguiu ser infeliz e desastrado, o que não é nada animador

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Por Redação
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Se quis inovar – pensando que só isso basta para acertar – ao admitir a possibilidade de dar dinheiro para as famílias escolherem o transporte escolar e a merenda para seus filhos, em vez do sistema atual em que esse serviço é fornecido pelo Estado, o secretário estadual de Educação, João Cury Neto, apenas conseguiu ser infeliz e desastrado, o que não é nada animador logo no início de sua ação à frente de um dos setores mais importantes da administração estadual. Não surpreende por isso as críticas que logo recebeu de vários especialistas.

Em entrevista ao Estado, Cury deixou claro que, além de ver com bons olhos aquelas duas ideias, foi mais longe na concretização de uma outra que tem parentesco próximo com elas: dar dinheiro para os grêmios estudantis usarem em pequenas reformas nas escolas. Eles próprios decidiriam quais seriam essas reformas. Um programa já está sendo preparado para isso. Essa seria mais uma forma de o Estado passar a outros – com a justificativa de que eles são interessados diretamente nelas – funções que tradicionalmente lhe cabem. Como disse Cury, a propósito do transporte, “não vejo nenhuma dificuldade no empoderamento da pessoa” (no caso os pais dos alunos).

O secretário diz que, se a mãe garantir que com o dinheiro recebido vai providenciar que seu filho chegue são e salvo à escola, “por que não” adotar o novo sistema? E vai mais longe: se a mãe decidir levar o filho e ficar com o dinheiro para outra coisa, ele também não vê problema. Cury usa para defender sua ideia, tanto para o transporte como para a merenda, um argumento deveras curioso. Acha natural um pai desempregado levar o filho e o do vizinho para a escola em seu carro e “fazer o que quiser” com os R$ 200,00 ou R$ 300,00 que receber por mês.

A situação real parece muito distante dessa que é imaginada por Cury para facilitar a aceitação de suas novidades. Tem inteira razão a presidente executiva do movimento Todos Pela Educação, Priscila Cruz, quando afirma que, se a família é muito pobre, “vai colocar o filho numa situação de andar quilômetros a pé ou outras condições desgastantes” para ficar com o dinheiro que receberia para o transporte. Isso – pode-se acrescentar – se muitas mães simplesmente não levarem os filhos para a escola, para evitar longas e cansativas caminhadas, principalmente na zona rural, já que a fiscalização sempre deixa a desejar, além de darem outro destino ao dinheiro.

É preciso considerar também que, se a mãe perder tempo utilizando transporte público, porque o dinheiro que receber não cobrirá o custo da perua escolar, “isso afetará a oferta de trabalho feminino, o que é um retrocesso”, como observa Sérgio Firmo, economista do Insper que trabalha em pesquisa sobre educação. Para qualquer lado que se volte, as ideias do secretário Cury são passíveis de crítica e deixam a impressão de lamentável improvisação.

No caso da merenda, por exemplo, está certa a presidente do conselho do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária, Anna Helena Altenfelder, ao dizer que – depois de a política educacional conscientizar os pais sobre a necessidade de seus filhos receberem alimentação saudável – não basta comunicar “vocês compram e resolvem”. É muito provável que a merenda perca qualidade, quando o dinheiro destinado a ela entrar no apertado orçamento das famílias mais pobres. No sistema atual, a principal refeição dos filhos das famílias carentes é sabidamente a merenda escolar.

Finalmente, no caso do repasse do dinheiro para grêmios estudantis, trata-se de uma perigosa interferência na gestão das escolas, porque enfraquece a autoridade dos seus diretores, que têm preparo profissional para tratar das questões que passarão para essas entidades. “Empoderar” pais de alunos e grêmios estudantis sob o argumento de que “o Estado não precisa ser enorme, tutelar tudo e todos”, como pretende Cury, é uma versão apressada, tosca e deformada de política liberal, que pode trazer sérios prejuízos para a rede estadual de ensino.