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Imorais honorários

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Por Redação
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Diz a Constituição Federal que a administração pública deve ser regida pelos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. No entanto, tramita no Congresso projeto de lei que aponta para sentido diametralmente oposto. Fruto do corporativismo, ele coloca a estrutura do Estado a serviço de algumas carreiras jurídicas públicas. Ao invés de servir o Estado, o servidor jurídico passa a ser servido pelo Estado. Apresentado em 31 de dezembro de 2015 pelo Poder Executivo, o Projeto de Lei 4.254 altera regras relativas ao funcionalismo público, desde remuneração até requisitos de acesso a cargos públicos e reestruturação de carreiras. Entre os pontos tratados no projeto, está a recepção de honorários advocatícios por advogados públicos do Poder Executivo. Segundo a justificativa apresentada, o projeto de lei apenas regulamenta aquilo que já foi definido pelo novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015): “Os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei”. É verdade que o desvio começou na aprovação do novo Código de Processo Civil. No entanto, a regulamentação proposta no Projeto de Lei 4.254 - já aprovado pela Câmara e atualmente em análise pelo Senado Federal, sob o n.º 36/2016 -, além de escancarar a imoralidade de atribuir honorários advocatícios a agentes públicos que já recebem regularmente seus proventos, inverte a própria lógica do poder público, ao colocar o Estado a serviço do servidor público. Por exemplo, o art. 33 do projeto cria o Conselho Curador dos Honorários Advocatícios (CCHA), vinculado à Advocacia-Geral da União, cuja função será “operacionalizar” e fiscalizar a correta destinação dos honorários advocatícios entre as carreiras de advogado da União, procurador da Fazenda Nacional, procurador federal, procurador do Banco Central e quadros suplementares. A criação do novo órgão significaria que recursos públicos serão destinados para fins privados, já que a recepção de honorários advocatícios é de interesse particular do servidor. A distorção fica ainda mais evidente quando o projeto de lei estabelece que a participação no CCHA será considerada “serviço público relevante”. Na verdade, os membros do novo órgão atuarão em nome de seus interesses, e não do interesse público. É de reconhecer que a mera atribuição de honorários advocatícios a advogados públicos já havia introduzido um elemento conflituoso na condução dos processos judiciais envolvendo o poder público. Tais ações já não mais representam apenas o interesse público. Tendo em vista os possíveis honorários delas decorrentes, os advogados públicos passam a ter também um direto interesse sobre o resultado dessas ações. Ou seja, tem-se um novo critério - o valor econômico das causas - a influenciar o trabalho dos causídicos públicos, e isso nem sempre reflete com acuidade o interesse público. Pode haver ações com um valor econômico pequeno - e, portanto, com honorários advocatícios não muito significativos -, mas de alto interesse público. Como se fosse pouco, a regulamentação proposta potencializa esse conflito de interesse. O projeto de lei estabelece um rateio dos honorários segundo o questionável critério de tempo de serviço, para os servidores ativos, e de aposentadoria, para os inativos. Na prática, forma-se um fundo de honorários, a ser distribuído entre os ocupantes ativos e inativos das carreiras jurídicas. Ou seja, o conflito de interesses não se dará apenas no plano pessoal de cada advogado público. Cria-se um sistema que permite a pressão de toda uma categoria para priorizar o interesse privado de seus membros em detrimento do interesse público. As pretensões corporativistas vêm sempre acompanhadas da promessa de que a corporação se contentará com o que está recebendo no momento, sem pedidos adicionais. A experiência indica, porém, o contrário. A melhor forma de evitar problemas futuros é não ceder no presente.