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Opinião|Imperícias gerais e irrestritas

FHC é o único capaz de produzir uma resposta positiva imediata entre os agentes econômicos

Atualização:

Mais uma crise política se arrasta em Brasília, acompanhada de longe por 14 milhões de desempregados e suas famílias. Crise produzida e turbinada por uma inacreditável comédia de erros. Com o elenco de que hoje dispomos, a propalada “robustez” do nosso script institucional mais parece uma profunda anemia.

Nesse festival de imperícias, o primeiro ponto a destacar é o inacreditável indulto concedido pelo ministro Luís Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, aos irmãos Joesley e Wesley Batista. Como compreender que Marcelo Odebrecht esteja preso há quase dois anos em Curitiba enquanto os dois irmãos gozam as delícias de Nova York? A disparidade de tratamento é gritante, escandalosa, inexplicável. Lépida e fagueira, a dupla levou tudo. Até o barquinho se foi. Na perversa trama da crise que estamos vivendo, o que a Justiça sofre não é só um arranhão. É um dano considerável em sua imagem, uma perigosa perda de altitude, justamente quando o País mais precisa de sua autoridade arbitral.

Outro erro crasso de Fachin e Janot foi trazer a público o conteúdo da gravação de Michel Temer feita por Joesley sem antes submetê-la à perícia policial. Esse erro, agravado pela má qualidade da gravação e pela possibilidade de ter ela sofrido adulterações, passou a ser a viga mestra da linha de defesa do presidente Temer. Daí a avaliação aparentemente consensual de que ele, Temer, tenha ganho uma sobrevida. Para isso também contribuem, a julgar pelo noticiário, os indícios (tênues) de recuperação da economia e, com mais força, a falta de um nome de consenso – um candidato natural – para a eventualidade de a sucessão vir a ser decidida pelo Congresso, nos termos do artigo 81 da Constituição.

A questão, entretanto, é mais complexa. Desta vez, a nunca assaz louvada perspicácia política do presidente Temer parece havê-lo abandonado. Como explicar que um presidente da República receba na residência oficial, numa hora já avançada, sem testemunhas, um empresário de tão discutível reputação? Sem esquecer que Joesley Batista não se identificou na portaria nem passou pelos controles fotográficos ou eletrônicos atualmente rotineiros nas mais variadas organizações. Esses fatos tisnam em certa medida o estrito legalismo da defesa, ou seja, seu apego aos defeitos da gravação e à não realização da indispensável perícia. Essa contraposição entre a árvore (a fita não periciada) e o bosque (as circunstâncias do encontro no Palácio do Jaburu) poderá pesar na decisão sobre a chapa Dilma-Temer que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) começará a discutir no dia 6 de junho.

Cabe, aqui, uma referência à chamada “sociedade civil”, e em particular aos empresários, grandes e pequenos. O saudoso Nelson Rodrigues certamente descreveria a manifestação deles sobre a tragicomédia que se desenrola em Brasília como “um silêncio de estourar os tímpanos”. Em 2010, como se recorda, quando a sra. Dilma Rousseff foi alçada à Presidência, a eleição foi decidida por três grandes eleitores, Lula, Marcelo Odebrecht e João Santana, donos da popularidade, do dinheiro e de uma notável capacidade de mentir por meio do que se conhece como marketing eleitoral. Embora os destinos da economia estejam em suas mãos, tudo leva a crer que os empresários se comportarão como em tantas outras oportunidades em nossa História: passarão pela cena sem dizer palavra.

Se Temer ganhar “limpamente” no TSE, a crise terá uma solução rápida, como é desejo de todos, e a recuperação econômica não será prejudicada. Mas se, para ganhar, o presidente tiver de recorrer a meios protelatórios (pedido de vista, recursos e mais recursos ao STF), o quadro será outro. A crise poderá estender-se por vários meses e o número de desempregados poderá bater em 15 milhões no começo de 2018, um ano eleitoral, e Temer terá sobre seus ombros uma parte da responsabilidade por tal desfecho.

Suponhamos, porém, que a decisão do TSE seja desfavorável ao presidente e ele aceite se afastar de imediato, abstendo-se de toda procrastinação. Iremos, então, para a eleição do sucessor pelo Congresso, como sabiamente estipula o artigo 81 da Constituição. Menciono, por dever de ofício, os artistas de esquerda que têm ido às ruas bradar por “diretas já”; esses estão em seu papel. São como os “suspeitos habituais” a que o capitão Renault, interpretado pelo ator Claude Rains, se referiu no filme Casablanca. Sem esquecer Lula e o 6.º Congresso do PT, imersos, como sempre, em seu característico ambiente de diretório acadêmico. Triste é constatar que políticos experientes como o senador Ronaldo Caiado e o deputado Miro Teixeira tenham emprestado seu prestígio a uma tese tão manifestamente extemporânea.

Ainda na hipótese de o TSE decidir contra Temer, chegamos, finalmente, ao Congresso Nacional. Uma das dificuldades desse insólito processo sucessório será, como assinalei, a inexistência de um “ungido” – um nome de consenso. Esse é outro aspecto patentemente surrealista da presente crise brasileira. Deve estar muito bem de líderes este Brasil que liminarmente descarta o nome de Fernando Henrique Cardoso. Que credenciais lhe faltam? Experiência, conhecimento dos problemas? Se os integrantes da presente legislatura tiverem ainda algum discernimento, haverão de concluir que o ex-presidente é o único nome capaz de produzir uma resposta positiva imediata entre os agentes econômicos, dentro e fora do País. Não sendo candidato em 2018 e tendo feito em 2002, quando da primeira eleição de Lula, uma transição de governo absolutamente exemplar, quem como ele poderá contribuir para a distensão dos ânimos e a normalização do processo político? Farol alto, senhores! Farol alto!

*Sócio-dretor da Augurium Consultoria, é autor de ‘Lberais e Antiliberais – a Luta Ideológica de Nosso Tempo’ Companhia das Letras, 2016)