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Inexplicável sobrevivência

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Por Redação
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A circunstância de Eduardo Cunha ter usado as atribuições que o cargo de presidente da Câmara dos Deputados lhe confere como elemento facilitador da aprovação, por ampla maioria, da admissibilidade do processo de impeachment de Dilma Rousseff não elide o fato óbvio, tão palpável quanto a rejeição nacional à permanência dela no poder, de que os brasileiros repudiam também sua ação deletéria à frente de uma das casas do Parlamento e exigem a rápida apuração das acusações de corrupção de que ele é alvo. Esta semana, mais uma vez, Cunha usou deputados que integram sua tropa de choque para colocar novo obstáculo ao trabalho do Conselho de Ética que, por conta de suas manobras, há quase meio ano marca passo no julgamento do processo por quebra de decoro parlamentar que pode levar à cassação de seu mandato. Chegou a hora de dar um basta à desmoralização da Câmara imposta pelo comportamento nocivo com que Cunha e seus sequazes degradam as instituições democráticas em benefício próprio. É hora também de perguntar: por que o pedido de afastamento de Cunha da presidência da Câmara apresentado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, repousa há quatro meses na gaveta do ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF)? Na última terça-feira, o ministro alegou que está “analisando” o pedido e, portanto, ainda não pode marcar uma data para apresentar suas conclusões. É louvável o respeito que alguns ministros do STF demonstram ao fundamento constitucional da separação e autonomia dos Poderes da República, limitando ao mínimo possível decisões que possam sugerir intervenção nas prerrogativas do Legislativo. Por outro lado, alguns ministros têm manifestado, intramuros, a opinião de que o pedido do procurador-geral é juridicamente vulnerável, razão pela qual seria mais conveniente – para quem? – manter sobre Cunha a pressão da ameaça de afastamento, do que favorecê-lo com o fim dessa possibilidade. Ora, a função de um tribunal não é “manter pressão” sobre quem quer que seja, mas julgar os feitos submetidos a sua apreciação. Não será por linhas tortas – especialidade de Cunha, aliás – que o STF cumprirá sua missão. O último lance de Cunha em benefício próprio vem a público marcado pelo habitual caradurismo com que ele costuma afrontar o discernimento dos outros. Garante que a iniciativa não é sua, quando todos sabem que se trata de mais uma ação realizada com a ajuda dos cúmplices habituais de suas manobras. Esses paus-mandados compõem a tropa de choque que não vacila em obstruir os trabalhos do Conselho de Ética, missão na qual se destacam o deputado Carlos Marun (PMDB-MS) – que apresentou a questão de ordem destinada a limitar a abrangência das acusações a Cunha – e quem aprovou esse expediente, o vice-presidente da Câmara, Valdir Maranhão (PP-AM), sempre dócil a serviço de seu chefe. Por um imperativo de Justiça, Eduardo Cunha mais cedo ou mais tarde terá de ser julgado e sofrer a merecida punição por seus delitos e desmandos. Mas ele está em débito com os brasileiros representados pelos 367 votos a favor do impeachment também pelo fato de fornecer argumentos de natureza ética e moral aos defensores do atraso que protestam contra o afastamento de Dilma Rousseff. Incapazes de demonstrar com um mínimo de solidez que a presidente da República não praticou os crimes de responsabilidade pelos quais é acusada, os vendedores de ilusão que defendem a chefe do Executivo – aos quais se somam cidadãos honestos sem um pingo de discernimento político – falseiam inescrupulosamente o quadro do impeachment. Opõem à imagem da “honesta” Dilma Rousseff a figura do “corrupto” Eduardo Cunha, como se se tratasse de um concurso de bom-mocismo e não do julgamento jurídico e político de uma governante que violou a lei, burlou a Constituição e jogou o País na profunda crise política, econômica, social e moral que hoje infelicita, mais do que os tão alardeados 54 milhões que nela votaram, todos os 200 milhões de brasileiros.