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Inflação à brasileira

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Por Redação
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A deflação continua sendo um espetáculo distante para os brasileiros, como o Natal com neve e os fogos do ano-novo chinês. Na maior parte do mundo a recessão derrubou os preços no atacado e no varejo, mas o efeito da crise, no Brasil, é bem menor. Nos 12 meses terminados em julho, os preços por atacado encolheram 3,57%, refletindo a tendência global e, em parte, a depreciação do dólar. No varejo, no entanto, os bens e serviços ficaram 4,70% mais caros no mesmo período, segundo a pesquisa mensal do IGP-M, da Fundação Getúlio Vargas. Outros indicadores também mostram a resistência da inflação no varejo. O IPCA, referência da política oficial de juros, aumentou 4,80% nos 12 meses até junho. O INPC, 4,94%. Os preços ao consumidor continuam, portanto, razoavelmente contidos e devem convergir para o centro da meta oficial ? 4,5% em 2009 ?, mas ainda crescem muito mais que na maior parte do mundo. Na zona do euro, a deflação anual chegou a 0,6% em julho. O Banco Central Europeu havia estipulado uma inflação de 2% como objetivo de médio prazo, mas a economia ainda terá de se aquecer durante bom tempo antes de aparecer algum efeito inflacionário. Nos Estados Unidos, no mês passado, o índice de preços ao consumidor divulgado pelo Departamento do Trabalho era 1,4% inferior ao de um ano antes. Também nesse caso a redução do custo de vida refletiu a contração dos negócios, a redução do emprego e o comportamento muito mais cauteloso dos consumidores. No Brasil, o Índice de Preços por Atacado (IPA) mostra a diminuição tanto dos preços agropecuários (8,34% em 12 meses) quanto dos industriais (1,66%). Na ponta do consumo, no entanto, a alimentação encareceu 3,48% nesse período, enquanto as despesas de habitação cresceram 5,17%. Os custos da habitação incluem além de aluguel, imposto predial e manutenção do imóvel, os gastos com energia, água, saneamento e telecomunicação. Vários desses custos são indexados, isto é, corrigidos com base na inflação passada. As tarifas corrigidas neste mês podem até não subir, porque o IGP-M diminuiu 0,67% em 12 meses, por efeito dos preços por atacado, mas a deflação ocorre apenas ocasionalmente. Além disso, a correção de aluguéis e tarifas pelo IGP-M envolve uma distorção bem conhecida. O principal componente desse indicador é o IPA, com peso de 60% na sua formação. O aumento das cotações da soja e do trigo na Bolsa de Chicago e a elevação dos preços do petróleo em Nova York e Londres podem, portanto, refletir-se nos aluguéis e nas tarifas de serviços de utilidade pública. A desindexação de salários e de outros preços, trazida pelo Plano Real, quebrou a inércia inflacionária e tornou mais eficiente o sistema de preços. Mas a indexação foi mantida para contratos com duração igual ou superior a um ano e isso inclui as concessões de serviços de utilidade pública. Nada justifica a manutenção, por muito mais tempo, desse resquício da cultura inflacionária. Mas esse fator explica apenas em parte a inflação dos preços ao consumidor, bem superior à de outros países com economia razoavelmente ordenada. No Brasil, a demanda de consumo, apesar da crise, caiu bem menos que na maior parte dos países desenvolvidos e emergentes. Parte das famílias continuou recebendo transferências do governo por meio dos programas sociais. Esses consumidores foram pouco afetados pelo desemprego. Além disso, os salários foram afetados moderadamente pelas demissões, mas alguns segmentos da indústria e do comércio precisaram cortar preços. Na média, os bens de consumo encareceram muito menos que os serviços, menos sujeitos à concorrência. O governo poderia ter baixado a meta de inflação para 2011 e isso afetaria positivamente as expectativas do mercado. Perdeu uma boa oportunidade. Além disso, as expectativas são afetadas pelo constante aumento do custeio governamental, em especial daqueles itens permanentes, como a folha de salários. A piora das contas públicas poderá não afetar a inflação até o próximo ano, mas o risco é crescente. O mercado sabe disso e o Banco Central também. Também isso explica, certamente, a interrupção dos cortes da taxa básica de juros.