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Inflação preocupante

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Por Redação
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Diante da inflação acelerada, espalhada e muito longe da meta, o brasileiro comum poderá ficar um pouco mais tranquilo se o governo se mostrar um pouco mais preocupado. Empresários e alguns amigos sindicalistas podem dar prioridade à redução dos juros, mas a presidente da República e seus auxiliares deveriam olhar também para a grande massa dos consumidores, aqueles dependentes de salários ou de pequenos rendimentos. Cuidar da família ficou 0,59% mais caro em outubro, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), usado pelo governo como referência principal para suas políticas. Em setembro a alta de preços havia sido ligeiramente menor - 0,57%. A variação em 12 meses chegou a 5,45%, no mês passado, e ficou bem acima da meta anual, de 4,5%. O ritmo dos aumentos será mais moderado nos próximos meses, segundo especialistas, mas nem essa projeção justifica a tranquilidade exibida até agora pelas autoridades. Uma das poucas notícias boas das últimas semanas, no front da inflação, foi o recuo de 0,31% do Índice Geral de Preços (IGP-DI) da FGV. Esse dado pode espantar quem se perde no emaranhado de indicadores produzidos no Brasil por várias instituições de pesquisa. Não é tão complicado. O IGP é formado por três componentes. O Índice de Preços ao Produtor mede as variações no atacado e entra no cálculo geral com peso de 60%. Esse item diminuiu 0,68% no mês, por causa da queda de cotações de matérias-primas agrícolas e minerais - um reflexo da crise internacional. A baixa de preços poderá passar do atacado ao varejo e beneficiar as famílias, mas isso levará algum tempo e parte do efeito será perdida no caminho. Mas essa possibilidade é, por enquanto, o principal fundamento de qualquer expectativa otimista. Enquanto se espera esse efeito, os preços no varejo de bens e serviços continuam disparados. O segundo item mais importante do IGP é um Índice de Preços ao Consumidor, com peso de 30% no conjunto. Esse indicador subiu 0,48% em outubro, menos que em setembro, quando a alta foi de 0,54%. Na pesquisa da FGV, alimentação, habitação e comunicação encareceram menos de um mês para outro, mas houve aumentos maiores em outros cinco grupos de despesas. Se alguém considerar 0,48% uma inflação mensal moderada, mudará de ideia se calcular o resultado acumulado em um ano: 5,91%. Um quadro também feio foi mostrado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da USP (Fipe), no Município de São Paulo. A alta dos preços ao consumidor passou de 0,55% em setembro para 0,80% no mês passado. Pode haver alguma perda de impulso, mas o aumento mensal em novembro e dezembro deve ainda ficar entre 0,6% e 0,7%, segundo o coordenador da pesquisa, Rafael Costa Lima.Um dado muito preocupante é conhecido no jargão dos economistas como indicador de difusão. Esse indicador mede a porcentagem de itens com elevação de preço num dado período. Em outubro, 65,81% dos itens incluídos no levantamento da Fipe ficaram mais caros. No caso do IPCA, o nível de contágio observado foi pior: 68,8%. Em setembro havia sido de 66,3%. Níveis de difusão superiores a 60% e muito próximos de dois terços têm sido observados em pesquisas de vários institutos. Um contágio tão amplo põe em xeque a tese de uma inflação limitada a poucos grupos de preços e resultante basicamente de um choque externo. Os mais otimistas deveriam levar em conta esse detalhe. O Banco Central tem apontado a evolução do emprego e dos salários - das condições da demanda, portanto - como fator de risco para a estabilidade de preços. Seus dirigentes poderiam, num esforço de autocrítica, incluir a expansão do crédito entre esses fatores. O governo tenta disfarçar as pressões inflacionárias, contendo o reajuste dos combustíveis e mantendo o corte temporário de impostos para alguns setores. Além de inúteis contra a inflação, esses disfarces criam distorções. Uma política séria seria mais eficiente e mais barata. O governo pode negar, mas é cada vez mais clara a troca da meta de inflação pela meta de juros.