
22 de outubro de 2014 | 02h06
A novidade gerou contestação interna e, por causa da posição restritiva do Ipea, o diretor de estudos e políticas sociais do instituto, Herton Araújo, pôs o seu cargo à disposição.
Numa reunião da diretoria colegiada do Ipea, realizada no dia 9 deste mês, Araújo tentou reverter a decisão. Ele desejava publicar um estudo técnico com dados sobre miséria social no Brasil a partir da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada no mês passado. No entanto, ele foi voto vencido e a decisão restritiva foi mantida: os estudos somente devem ser divulgados após a realização do segundo turno eleitoral.
Em nota, o Ipea, vinculado à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, afirmou que a decisão se baseia "no entendimento de que uma instituição de pesquisa de Estado não deveria, neste período, suscitar acusações de favorecimento a um ou outro candidato". Segundo o órgão, a restrição seria uma decorrência da lei eleitoral.
Não há dúvida de que toda informação, dentro de um período de campanha eleitoral, pode vir a ter influência política e suscitar acusações de "favorecimento a um ou outro candidato". Mas, numa democracia, esse risco não é motivo suficiente para impedir a transmissão de informações. Veja-se, por exemplo, o caso das pesquisas de intenção de voto. Mesmo que possam influir - como, de fato, influem - sobre a decisão do eleitor, elas podem ser publicadas. E o eleitor quer contar com essa informação na hora de decidir o seu voto.
A qualidade de uma democracia não vem por uma isenção "negativa": nenhuma informação, nenhuma influência. A qualidade de uma democracia vem - entre outras coisas - pela qualidade da informação. E é por essa razão que, num Estado democrático, não se pode controlar a informação. Garante-se a liberdade de expressão para assegurar que o cidadão tenha acesso à informação e possa decidir o seu voto com base naquelas informações que julgar consistentes. A ideia é simples: eleitor mais informado, voto mais consciente.
No caso do Ipea, a sua missão está estreitamente ligada à produção e à transmissão de informações. Segundo o site do instituto, a sua missão é "aprimorar as políticas públicas essenciais ao desenvolvimento brasileiro, por meio da produção e disseminação de conhecimentos e da assessoria ao Estado nas suas decisões estratégicas". E ainda especifica que faz parte da sua contribuição à sociedade gerar "conhecimento mais consistente e disseminado em relação ao desempenho do Estado e da dinâmica da sociedade" e um "debate público mais qualificado". Ou seja, o Ipea tem um importante papel na produção de informações ao cidadão sobre o desempenho do Estado. E, se existe um momento em que o cidadão mais precisa ter acesso a essas informações, é agora, quando ele está decidindo o seu voto.
Se o Ipea é - como deve ser - uma instituição de Estado, e não uma instituição "do governo", a publicação das informações e estudos de que disponha enriquece o debate eleitoral, e não o contrário. Outra coisa seria que algum estudo do Ipea tivesse um viés ideológico determinado e que a sua publicação, em nome do Ipea, transmitisse uma informação equivocada - ou, ao menos, duvidosa - ao público. Mas, para a eventualidade de um caso como esses, a restrição atualmente vigente no Ipea - não publicar estudos "não periódicos" até o término das eleições - não seria suficiente, já que não cabe a um instituto "de Estado" publicar - seja quando for, antes ou depois das eleições - material desse estilo. Isso seria utilizar dinheiro público para fins ideológicos. Isso seria utilizar o nome de uma instituição de Estado para fins ideológicos. E isso é aparelhamento, antes ou depois das eleições.
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