22 de janeiro de 2016 | 02h55
Águas Lindas de Goiás (GO) tem 182 mil habitantes. Fica na periferia de Brasília. Sua população cresceu 22% nos últimos dez anos. Há forte necessidade de urbanização, muitas crianças em idade escolar, violência e pobreza. Mas o FPM, que põe muito dinheiro em 2 mil municípios pequenos, destina apenas R$ 334 per capita a Águas Lindas.
Isso é injusto, o dinheiro não vai para onde é mais necessário. É ineficiente, pois há desperdício nos municípios pequenos, além de estimular os municípios grandes a se dividirem. E é caro: o FPM transferido para os municípios com menos de 10 mil habitantes somou R$ 14 bilhões em 2014.
Xavier é eletricista. Trabalha como autônomo e está registrado como microempreendedor individual (MEI). Para uma renda mensal de R$ 3 mil, desembolsa R$ 44,40 de tributos. Joaquim realiza o mesmo trabalho e tem a mesma renda de Xavier. Em vez de autônomo, trabalha numa empresa formal de reparos domésticos: a carga de tributos que incide sobre ele é mais de sete vezes superior à paga por Xavier, R$ 330.
A empresa em que Joaquim trabalha tem muitos clientes, o que aumenta a escala de produção, reduz o peso dos custos fixos e permite otimizar o uso do tempo e a distribuição geográfica dos profissionais. Além disso, promove treinamentos regulares, introduz novos métodos de trabalho, tem equipamentos modernos, realiza tarefas complexas em equipe.
Já o autônomo Xavier passa o dia com um celular no bolso e sua malinha de ferramentas. Não se atualiza, não tem equipe e volta e meia fica sem serviço, porque não conta com um pool de clientes como o da empresa onde trabalha Joaquim. Logo, o trabalho de Joaquim é mais eficiente que o de Xavier. Mas o peso dos tributos faz a renda líquida de Xavier ser 10,7% maior que a de Joaquim. Isso é injusto e ineficiente. E também é caro: a renúncia de receita dos regimes especiais de tributação (Simples e MEI) somou R$ 62,4 bilhões em 2014.
Sebastião e Antônio têm empregos que pagam salário mínimo. Sebastião contribui mensalmente para o INSS, o que vai garantir-lhe uma aposentadoria, no valor de um salário mínimo, a partir dos 65 anos de idade. Antônio não contribui com um centavo para o INSS ao longo de toda sua vida profissional. Porém aos 65 anos poderá receber um Benefício de Prestação Continuada (BPC), também no valor de um salário mínimo. Isso é injusto: os benefícios assistenciais são importantes para amparar os mais necessitados, mas não podem ter o mesmo valor que se paga a quem contribuiu. É ineficiente, pois desestimula a formação de poupança previdenciária. É caro: a despesa com BPC para idosos em 2014 foi de R$ 17 bilhões.
Jandira recebe uma aposentadoria mensal de R$ 10 mil. Deveria pagar R$ 1,9 mil de Imposto de Renda (IR). Porém está isenta de tal pagamento porque tem uma doença cardíaca. A Lei n.º 7.713/1988 concede isenção de IR às aposentadorias e pensões dos portadores de cardiopatia grave e outras 15 enfermidades, bem como moléstias de origem profissional. No Congresso tramitam 51 projetos para agregar novas doenças à lista atual. Com o dinheiro que não gastou com IR Jandira decidiu comprar um carro novo. E vai ser beneficiada de novo, porque a isenção se reproduz nas legislações de IPI, ICMS e IPVA sobre veículos, abarcando 37 doenças, que vão de formigamento a autismo.
Não é simples conseguir a isenção. Afinal, o Estado quer se prevenir contra aproveitadores e exige vários atestados. Aí entra em cena o despachante Odair, cujo trabalho é “agilizar” a concessão do benefício. Diversos funcionários públicos são alocados para conferir os documentos.
Palmira é pobre e tem doença de Chagas. Sua renda está fora da faixa de pagamento de IR e ela jamais terá dinheiro para comprar um carro zero. Palmira e seu coração inchado vão de ônibus para a fila do SUS.
Isso é injusto, porque o Imposto de Renda incide sobre os 10% mais ricos da sociedade. Qualquer isenção ou dedução beneficia apenas os mais ricos. É caro: as isenções e deduções do IR (todas, não só as relativas a doenças) representam perda de arrecadação de R$ 34,3 bilhões. É ineficiente, porque Odair e os servidores alocados para cuidar da papelada poderiam usar seu tempo em atividade mais útil.
Há muito que reformar nos programas públicos para torná-los mais justos, eficientes e baratos. É um erro deixar de fazê-lo por temer prejudicar os mais pobres. Os beneficiários de cada um dos programas tortos aproveitam-se dessa falácia para bloquear o desmonte de seus privilégios. A função primordial do Estado brasileiro não tem sido prestar serviços públicos ou socorrer os mais pobres, mas garantir benefícios obtidos por alguns grupos a expensas do resto da sociedade e das gerações futuras. Ganha quem tem o lobby mais organizado. Isso trava o crescimento da economia e prejudica a todos. Apenas umas gotas desse oceano de benefícios respingam para os mais pobres. E estes ainda pagam parte da conta sob a forma de inflação e impostos altos, baixa criação de empregos e juros elevados.
A alternativa às reformas é a estagnação econômica e a consolidação da desigualdade extrema que sempre caracterizou o Brasil.
* MARCOS MENDES E BERNARD APPY SÃO DOUTOR EM ECONOMIA PELA USP, CONSULTOR LEGISLATIVO DO SENADO, AUTOR DE ‘POR QUE O BRASIL CRESCE POUCO?’ (ED. ELSEVIER, 2014).DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL, EX-SECRETÁRIO EXECUTIVO E DE POLÍTICA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA
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