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Interpretações desequilibradas

Em 2016 foram propostos mais de 3 milhões de novas ações trabalhistas, informou recentemente reportagem do Estado

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Por Redação
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Em 2016 foram propostos mais de 3 milhões de novas ações trabalhistas, informou recentemente reportagem do Estado. O número ajuda a consolidar o País na prejudicial posição de recordista mundial de reclamações trabalhistas e evidencia a distorção provocada por uma legislação ultrapassada e, muito especialmente, por uma interpretação intencionalmente desequilibrada levada a cabo pela Justiça do Trabalho.

O governo de Michel Temer anunciou recentemente que apresentará ao Congresso uma minirreforma trabalhista, cuja principal mudança será a ampliação da liberdade de negociação entre empregados e patrões. É certo que a modernização da legislação trabalhista envolve muitos outros pontos, mas não resta dúvida de que a proposta do Executivo é um avanço na correção de alguns graves desequilíbrios. A expectativa é de que, além da melhora do ambiente de negócios, a aprovação pelo Congresso da minirreforma contribua para diminuir a chamada indústria de reclamações. Trata-se de uma boa e oportuna proposta, a merecer análise diligente dos parlamentares.

A principal causa para a indústria de reclamações não está na lei, e sim na interpretação que muitos juízes trabalhistas dão à lei. Desde a criação da Justiça do Trabalho foi-se consolidando um modo distorcido de aplicar a legislação, baseado na equivocada concepção de que toda relação de trabalho envolve necessariamente alguma injustiça. Mais do que aplicar a lei, o papel da Justiça do Trabalho seria reparar as supostas injustiças.

Logicamente esse modo enviesado de ver as coisas causa profundos transtornos. Deixa de existir, por exemplo, um critério objetivo para regular as relações trabalhistas. Já não existem o certo e o errado. A pauta passa a ser a subjetividade de cada juiz, numa discricionariedade que, além de ferir princípios básicos de um Estado Democrático de Direito – no qual cada um só pode ser obrigado a agir por força da lei –, introduz no ambiente de negócios profunda insegurança jurídica, com altos custos não apenas para as empresas, mas também para o trabalhador.

Nesse modo de interpretar a legislação trabalhista – tantas vezes disfarçado de preocupação social –, sempre o trabalhador estaria certo e o empregador, errado. Daí a generalizada percepção de que, a despeito dos fatos e das normas jurídicas, sempre vale a pena entrar com uma reclamação trabalhista. A experiência indica que o juiz trabalhista sempre encontra alguma forma de obrigar o empregador a pagar algo a mais ao empregado. Conforme reconheceu o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Ives Gandra Martins Filho, sempre que o trabalhador vai à Justiça ganha alguma coisa.

Não é de estranhar, portanto, que surgisse e se consolidasse a indústria de reclamações, com a propositura de milhões de novas ações a cada ano. O custo dessa indústria não é apenas o congestionamento da Justiça do Trabalho. Ela provoca um ambiente hostil à contratação de empregados. Além de desestimular que as empresas em funcionamento empreguem mais pessoas, o desequilíbrio na interpretação da lei trabalhista compromete o surgimento de muitas empresas. Seu efeito daninho não se resume ao aumento do chamado custo Brasil – o que já seria bastante grave –, mas à introdução de um ônus imponderável em todo negócio que envolva a contratação de pessoas. Infelizmente, a Justiça do Trabalho fez com que o estabelecimento de uma relação de trabalho equivalesse a assinar um cheque em branco em favor do empregado.

A grave crise econômica – com mais de 12 milhões de desempregados – pode ser ocasião para os intérpretes da lei trabalhista repensarem sua interpretação, colocando-a em bases mais equilibradas e menos maniqueístas. Longe de significar um abandono da preocupação social, trata-se de perceber o profundo impacto social positivo decorrente da aplicação justa da lei. Arbitrariedades, ainda que bem-intencionadas, continuam sendo arbitrariedades, com alto custo econômico e social.