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Invasões antidemocráticas

Num Estado Democrático de Direito, é livre a manifestação de opinião e cada um pode expressar e defender suas posições políticas e ideológicas

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Por Redação
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Causa desconcerto a distância entre o discurso e a prática de alguns movimentos políticos. Em teoria, são abertos ao diálogo e ao pluralismo, pregam a paz e estão dispostos a denunciar todo e qualquer ato de violência das autoridades constituídas. Na prática, fazem de tudo a seu alcance para impor suas vontades, sem grandes preocupações com o bem público e o respeito às outras opções políticas existentes.

Tal esquizofrenia pôde ser vista recentemente nas ocupações de prédios públicos vinculados ao Ministério da Cultura. No início, a motivação era protestar contra a decisão do governo federal de fundir o Ministério da Cultura com o Ministério da Educação. Diante do recuo na ideia da fusão e a recriação da pasta da Cultura, as ocupações transformaram-se em atos de oposição ao governo do presidente em exercício Michel Temer. Sem qualquer pauta de negociação, o objetivo passou a ser simplesmente gritar contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff, vítima de um suposto “golpe parlamentar”.

Num Estado Democrático de Direito, é livre a manifestação de opinião e cada um pode expressar e defender suas posições políticas e ideológicas. A livre circulação de ideias é um dos maiores bens de uma sociedade democrática e o ordenamento jurídico deve proteger esse ambiente de liberdade.

Outra coisa bem diferente é a ocupação de prédios públicos como forma de manifestação política. Por mais que essas invasões sejam aplaudidas e festejadas por determinados setores sociais, elas são atos de violência praticados por pessoas cujo objetivo é se apropriar de algo público para uma causa específica. Trata-se da tentativa de impor pela força determinada posição política – e isso nada tem de democrático ou tolerante.

Há poucos dias, em cumprimento a uma determinação judicial, a Polícia Federal pôs fim à ocupação do Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro, que já durava mais de dois meses. O famoso edifício – sede por tantos anos do Ministério da Educação e Cultura e que agora abriga a Fundação Nacional de Artes (Funarte) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) – havia sido invadido no dia 16 de maio e desde então era ocupado por manifestantes contrários ao governo de Michel Temer.

“A invasão do espaço vinha causando grave prejuízo aos cofres públicos, na medida em que provocou atrasos no cronograma das obras de restauração do Palácio, ao mesmo tempo que colocava em risco preciosidades artísticas de valor inestimável”, afirmou o Ministério da Cultura. Em São Paulo, a sede da Funarte também foi invadida em maio e recentemente os ocupantes foram intimados judicialmente a desocupar o edifício.

A defesa da cultura e do patrimônio artístico do País é incompatível com a invasão e a ocupação de edifícios públicos. Tal constatação não é resultado de um autoritarismo intolerante – trata-se da simples defesa da finalidade pública dos bens estatais. A convivência democrática exige que as causas particulares não se apropriem daquilo que é coletivo. Violar tal princípio, como fazem os invasores e ocupantes de prédios públicos, é uma das manifestações mais evidentes de intolerância. Atuam como se suas causas políticas fossem mais certas e mais importantes que as do restante da população. Ainda que suas palavras sejam o suprassumo da tolerância, suas ações desrespeitam e desprezam quem ousa pensar de forma diferente.

A nota do Ministério da Cultura sobre a desocupação do Palácio Capanema é esclarecedora quanto aos bons modos dessa turma: “Nas últimas semanas, multiplicaram-se os relatos de práticas de delitos, como intimidação a servidores, depredação do patrimônio histórico, circulação de menores e uso de drogas. Longe de levar a cabo uma pauta reivindicatória, os invasores, que agora alegam pacifismo, passaram a dedicar-se ao planejamento e execução de atos violentos, covardes e intimidatórios”. A cultura merece melhores apóstolos.