Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião|Investimento em 'campeãs invisíveis'

Sem um mercado forte de IPOs, o BNDES corre o risco de entrar num beco sem saída

Atualização:

O maior obstáculo a ser vencido por jovens empreendedores brasileiros que têm ideias inovadoras para desenvolver novos negócios é a falta de capital. Pesquisa do Sebrae aponta que cerca de 30% das empresas de tecnologia emergentes (startups) analisadas fecharam as portas por falta de acesso a crédito. Muitas empresas, com receio de perecer no Brasil, chegam até a migrar para o Vale do Silício, nos Estados Unidos, em busca de capital financeiro e humano (Estado, 9/7/2017, 3/3/2018). Assim, oportunidades de criação de novas tecnologias, geração de negócios, empregos e circulação de riqueza no País são desperdiçadas.

Existem polos de empreendedorismo tecnológico com número significativo de startups na capital no interior do Estado de São Paulo, nas regiões de Campinas, São Carlos e São José dos Campos. Startups também florescem em Belo Horizonte (San Pedro Valley) e no interior mineiro, em Uberlândia, Itajubá, Santa Rita do Sapucaí; no Rio de Janeiro, em Florianópolis e no Recife. Os centros de empreendedorismo geralmente surgem ligados a universidades e núcleos de pesquisa, como a Escola Politécnica da USP, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), as Universidades Federal e Estadual em São Carlos (Ufscar e USP), o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a PUC-Rio e outras.

O BNDES, com o naufrágio da estratégia da política das “campeãs nacionais”, anunciou que vai focar em investimentos nas “campeãs invisíveis”, ou seja, startups que receberão aportes de seus fundos Criatec, tendo em contrapartida participação acionária no empreendimento (Estado, 8/1). Mas o sucesso de tal política dependerá do retorno a ser auferido no momento de saída do BNDES, quando o banco venderá sua participação a terceiros interessados em prosseguir com os negócios. Espera-se que os investimentos bem-sucedidos compensem os fracassados e que as empresas então continuem a andar com as próprias pernas no mercado privado.

No mercado de capital de risco (venture capital), investidores chamados “anjos” financiam a startup por um período de tempo na expectativa de auferir lucros ao saírem da empresa. Por isso a oportunidade de saída do investimento é crucial para o investidor prover capital a uma startup e para o bom funcionamento de tal mercado. A saída pode ser pela venda da empresa ou de suas ações de maneira privada ou venda pública das ações no mercado de bolsa, a denominada oferta pública inicial (initial public offering ou IPO).

As famosas IPOs do Google e do Facebook são exemplos de saídas via bolsa amplamente usadas nos Estados Unidos. Tal saída também se dá em pequenas empresas.

O maior exemplo hoje, porém, é o mercado de IPOs indiano, que se desenvolveu para possibilitar saída aos investidores anjos de novas empresas. Cerca de 80% dos recursos de IPOs na Índia em 2017 foram destinados a adquirir ações de investidores que financiaram startups e desejavam sair do investimento. 

Estudos demonstram que quanto maior o número de IPOs no mercado de capitais, maior a propensão de investidores a fornecer capital para empresas emergentes. Bernard Black e Ronald Gilson, em análises do mercado de venture capital ao redor do mundo, afirmam que quando a única opção viável de saída do investidor for a venda privada, o desenvolvimento das startups será significativamente prejudicado.

Acontece que o mercado de IPOs brasileiro encolheu drasticamente desde a crise do subprime de 2008 nos Estados Unidos. Com a deflagração da Operação Lava Jato e a revelação de grandes fraudes e esquemas de corrupção em diversas empresas listadas no mercado de capitais, as IPOs então pareciam ameaçadas de extinção. Houve só uma por ano em três anos consecutivos, de 2014 a 2016.

Em 2017 a imprensa brasileira comemorou dez IPOs na B3, sem se dar conta de que os números de outros países continuam em patamares bem superiores. Segundo o relatório Global IPOs Trends (Tendências Globais de IPOs), da EY, em 2017 o Canadá teve 25 IPOs; os Estados Unidos, 174; a Inglaterra, 72; a Indonésia, 31; a Tailândia, 35; Cingapura, 19; e o Japão, 95. Isso para não falar em 429 na China, 149 em Hong Kong, 162 na Índia, 54 na Coreia do Sul e 101 na Austrália. Logo, apesar da pequena melhora em relação aos anos anteriores, a atividade de IPO nacional é fraca quando comparada à de outros mercados em desenvolvimento, especialmente os asiáticos.

Fatores específicos de cada empresa influenciam a precificação, porém é sintomática a constatação de fortes descontos praticados por investidores nas ofertas iniciais brasileiras. As IPOs da BR Distribuidora, do grupo Petrobrás, IRB Brasil RE e do Carrefour Brasil, por exemplo, foram precificadas pelo piso da faixa de precificação, enquanto os bancos coordenadores e atuais acionistas esperavam que os valores dos papéis atingissem ou superassem o teto da meta estabelecida (Estado, 19/7/2017, 13/12/2017). Várias ofertas foram canceladas porque investidores não pagariam os níveis de preços esperados pelos empresários. Três IPOs (Movida, Ômega Energia e Camil) tiveram que reduzir a faixa indicativa de preço para tentar atrair investidores. De todas as ofertas de 2017, apenas uma, Burger King, conseguiu colocar suas ações no topo da janela indicativa de preço (Estado, 13/12/2017, 16/12/2009).

Sem o desenvolvimento de um mercado forte de IPOs – que pressupõe segurança jurídica para o investidor do mercado de capitais e regras eficazes contra fraudes –, o perigo é que o BNDES entre num beco sem saída, despejando capital em startups que depois terão baixa possibilidade de conseguir outros financiadores privados para continuar suas atividades. 

*DOUTORA EM DIREITO PELA USP, COM PÓS-DOUTORAMENTO NA UNIVERSIDADE DO TEXAS. FOI PROFESSORA NAS UNIVERSIDADES DO TEXAS, CORNELL E VANDERBILT, DIRETORA DO CENTRO DE DIREITO EMPRESARIAL DA YALE LAW SCHOOL E PESQUISADORA EM STANFORD E YALE