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Já não é só a dengue

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Por Redação
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Embora a persistência, por longo tempo, de um elevado número de casos de dengue, que no primeiro semestre deste ano atingiu 367 pessoas por 100 mil habitantes – ultrapassando o limiar da epidemia, que segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) é de 300 –, já devesse ser suficiente para isso, foi preciso o choque provocado pelo surto de microcefalia em bebês, associado ao vírus zika, também transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, para que o poder público e a população se dessem conta de que a situação está chegando a um ponto insustentável e de que é preciso reavaliar a forma de enfrentar o problema.

Os casos de microcefalia – que faz com que os bebês que dela sofrem tenham a circunferência da cabeça menor que 32 centímetros, o que acarreta sérias consequências, que podem levam à morte – estão aumentando rapidamente, ou pelo menos agora passaram a ser detectados com maior precisão. Já são mais de 1.760 este ano, em 14 Estados, em especial no Nordeste, e 19 mortes. O fato de as vítimas do vírus zika serem principalmente bebês fere mais profundamente a sensibilidade da população.

O grande problema é o que fazer, além do que já vem sendo feito sem os resultados esperados, para combater o Aedes aegypti. Uma tarefa que se torna cada vez mais imperiosa e urgente, porque as doenças que ele transmite já são três: primeiro os vários tipos de dengue, depois a chikungunya, parecida com ela, e agora a microcefalia. E todas elas aumentando no mesmo ritmo, é claro, do mosquito transmissor, que não se consegue reduzir.

Talvez assustado com o rápido aumento dos casos de microcefalia, o ministro da Saúde, Marcelo Castro, parece simplificar as coisas em busca de uma explicação. A seu ver, chegou-se a esse ponto porque “houve uma certa contemporização ao longo dos anos com o mosquito da dengue, e não podemos contemporizar com o mosquito, pois ele mata”. Como não se pode negar que os governos federal e estaduais e as prefeituras têm-se se esforçado para conter a proliferação do mosquito, melhor diagnóstico que o seu é o de Celso Granato, professor de Infectologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Para ele, depois de cerca de 30 anos de disseminação do mosquito, está claro que falhou a estratégia de combate ao mosquito: “Parece que ao longos dos últimos anos as pessoas foram se acostumando com a dengue. Não sei se foi culpa do governo federal, dos Estados ou dos municípios, mas não combatemos o mosquito como deveríamos e agora temos uma tragédia. Só que também é uma tragédia morrerem quase mil pessoas por dengue no ano”.

O poder público pode e deve mesmo fazer mais e melhor. A médio e a longo prazos, com a extensão e melhora do serviço de saneamento básico, especialmente coleta e tratamento de esgoto, cuja notória precariedade na maior parte do País facilita a proliferação do mosquito. A curto prazo, que é o mais importante nesse momento de crise aguda, intensificando o combate ao mosquito com o aumento do número dos agentes encarregados dessa tarefa. Tanto com a pulverização dos criadouros como com a intensificação das campanhas destinadas a esclarecer a população sobre o seu papel.

Ele é decisivo. Os principais focos de criação do Aedes aegypti estão nas casas, desde caixas d’água mal tapadas e pneus velhos que guardam água das chuvas até potes de flores. Por mais que os agentes sanitários se esforcem, tanto para destruir os criadouros existentes como para prevenir o surgimento de outros, sem a cooperação dos moradores seu trabalho não produzirá grandes resultados. E forçar a entrada nas residências como a lei permite em certos casos vai certamente criar resistência e tensão que nada ajudam.

Conquistar a colaboração ativa da população não é fácil, como a experiência já mostrou, mas é indispensável. Esse é o grande desafio. A tarefa pode ser facilitada pelo ponto dramático a que chegou a situação, e o poder público deve utilizar esse argumento.