Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Justiça muito além de números

Exclusivo para assinantes
Por Paulo Dimas de Bellis Mascaretti
3 min de leitura

Quase sempre, falar sobre si mesmo é tarefa árdua, afinal, é comum que os defeitos sejam atenuados e as virtudes, exacerbadas. Essas dificuldades apenas são superadas quando há elementos objetivos que fundamentem as ponderações. E é exatamente o caso da Justiça estadual de São Paulo, que reiteradamente tem apresentado números pujantes nos quesitos quantitativos e qualitativos.O recente relatório Justiça em Números, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), coloca o Judiciário de São Paulo como um dos mais produtivos do mundo. Repita-se, do mundo. Isso apesar das deficiências crônicas em questões estruturais, evidenciadas pelo próprio relatório, mostrando que o número de juízes é inferior ao da média nacional, a taxa de investimentos é pífia e os índices de litigiosidade são astronômicos. Ou seja, mesmo diante das adversidades aparentemente intransponíveis, os funcionários, juízes e desembargadores conseguem apresentar altas taxas de produtividade e de eficiência.Dessa maneira, os dados mostram de forma inequívoca o que todo juiz e desembargador paulista conhece à exaustão: o Judiciário de São Paulo é superlativo. Afinal, quando se fala em Justiça estadual, São Paulo tem 21,6% dos magistrados estaduais e sua despesa corresponde a 22,8% da despesa total de toda a Justiça dos Estados. A aparente similitude entre número de juízes e de despesa se esvai quando os comparamos ao volume produzido, ou seja, com cerca de um quinto dos juízes e dos gastos, São Paulo responde por 44% do total de processos pendentes, 35,7% de todas as sentenças e decisões proferidas e recebeu 28,9% das novas ações propostas em 2009. São mais de 18,4 milhões de processos apenas neste Estado, onde há mais de R$ 25 bilhões em depósitos judiciais, que representam quase metade do total de depósitos da Justiça estadual de todo o País. E cumpre o mandamento constitucional de ser acessível a todos, afinal, tem a segunda maior proporção de casos novos em primeira instância: são quase 10 mil novos casos para cada grupo de 100 mil habitantes.Qual, então, a razão deste texto? Um simples apanágio, autoelogio despido de significado? Não, na verdade, trata-se de um pedido de socorro, um sinal de alerta.Por trás dos números positivos - que reforçam a convicção de que juízes e desembargadores de São Paulo são movidos por sólidos ideais, trabalham de forma obstinada e possuem elevada capacidade judicante - há um cenário desolador: outros números reveladores de que, sem mudanças significativas nas questões orçamentárias e estruturais, o Judiciário estadual de São Paulo caminha para o colapso.O processo lógico que fundamenta essa afirmação é clarividente. Os juízes e desembargadores paulistas superaram seus próprios limites de produtividade e de eficiência ao proferirem mais de 5 milhões de sentenças e quase 1 milhão de decisões em segundo grau. Com tamanho esforço, seria correto imaginar uma curva descendente no estoque de processos. Entretanto, o ritmo ascendente prossegue. Em outras palavras, apesar do recorde de trabalho, o volume de processos que aguarda julgamento ficou ainda maior, revelando um quadro verdadeiramente assustador. Dito de maneira simples e direta, com os recursos existentes - de estrutura e de pessoal - não há muito mais o que fazer diante de tamanha enxurrada de feitos.Não é, no entanto, da índole dos juízes de São Paulo amedrontar-se diante dos desafios. Ao contrário, quando as ameaças se descortinam, o Judiciário de São Paulo busca alternativas. Foi assim no lamentável episódio de ataques terroristas perpetrados por uma facção criminosa que disseminou pânico em maio de 2006. Naquele momento de extrema importância para a população, São Paulo contou com seus magistrados para sinalizar saídas legislativas e, principalmente, para assegurar o Estado Democrático de Direito.Igualmente grave é o atual quadro crônico de falta de investimentos no Judiciário. Sem uma Justiça eficiente e célere, o cidadão vê seus direitos serem reiteradamente violados e a reparação aos danos suportados apenas ocorre depois de largo e injustificado lapso de tempo. Justiça tardia é quase sempre sinônimo de injustiça.As saídas para esse cenário que se delineiam são simples e ao mesmo tempo complexas. Simples porque se sabe exatamente o que é preciso: mais recursos, mais autonomia, mais planejamento e mais gestão. Complexas porque exigem a colaboração de todos, em especial do Legislativo e do Executivo.O exemplo dado pelo Judiciário do Rio de Janeiro, que alcançou plena autonomia financeira, é elucidativo. Com mais investimentos, a Justiça fluminense tornou-se mais célere, mais eficiente e ainda mais produtiva. Ao contrário do que se poderia imaginar, isso não ocorreu com aumento de gastos, mas sim com as custas e taxas judiciárias, que passaram a ser integralmente revertidas para um fundo que consolida os investimentos necessários em informatização, treinamento e gestão.Frise-se que investir mais no Judiciário não significa investir menos em saúde, educação e segurança pública. Ao contrário, quando existe uma Justiça forte, eficiente e célere, há menos espaço para desvios de recursos públicos, as leis são cumpridas por todos e o Estado fica ainda mais próximo do cidadão.É por isso que a Associação Paulista de Magistrados (Apamagis) se empenha em conscientizar a população e os demais Poderes de que Justiça não é gasto, é investimento. Sem juízes realmente fortes e independentes não existe democracia verdadeira nem direitos realmente preservados. É preciso dar aos juízes de São Paulo instrumentos para que possam continuar fazendo o mesmo trabalho brilhante de sempre, só que para todos os paulistas indistintamente e, nas palavras da própria Constituição federal, com uma "duração razoável".PRESIDENTE DA APAMAGIS