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Justiça tardia

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Por Redação
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A condenação, a nove anos de prisão, do ex-governador do Espírito Santo José Ignácio Ferreira e de sua mulher, Maria Helena Ferreira, funcionária de carreira do Senado - esta sentenciada a 13 anos por desvio de dinheiro de um projeto social destinado a distribuir sopa a famílias carentes -, constitui mais um exemplo do efeito perverso da morosidade judicial, em favor da impunidade e do desprestígio das instituições. Por causa da demora no julgamento da ação, que tramitou durante oito anos na Justiça, o ex-governador, por ter recentemente completado 70 anos, pode ser beneficiado com a redução dos prazos prescricionais. Ignácio foi condenado por formação de quadrilha, apropriação indébita e lavagem de dinheiro e poderá recorrer da sentença em liberdade. No mesmo processo, além de sua mulher, também foi condenado Aníbal Teixeira, ex-ministro do Planejamento no governo José Sarney, que ao tempo do governo José Ignácio (de 1999 a 2002) se incumbiu de implantar, no Espírito Santo, o projeto social que deu origem à ação judicial: uma fábrica de sopa, montada com dinheiro arrecadado de empresários, os quais recebiam benefícios fiscais do governo estadual para essa prodigalidade. Ocorre que, segundo a acusação feita pelo Ministério Público, que resultou nas condenações, o dinheiro que deveria ir para o projeto era desviado para um caixa 2, usado para custear despesas pessoais e de campanha do ex-governador capixaba. Além de governador e ministro, José Ignácio foi senador e ex-presidente da Telebrás - exibindo, pois, destacada carreira na política. Mas seu governo foi marcado por denúncias de corrupção, a ponto de o "escândalo da sopa" tornar-se letra de música de protesto. Já a ex-primeira-dama capixaba Maria Helena Ferreira, depois de ter sido, no governo do seu marido, secretária de Ação Social e responsável pelo projeto da fábrica de sopa, passou a exercer suas funções de funcionária do Senado, em Brasília. A refletir bem a quantas anda a noção de moralidade nas instituições públicas do País - em especial no Poder Legislativo federal, que tem se notabilizado por uma sucessão de escândalos -, a funcionária, que há oito anos vinha sendo processada por corrupção em seu Estado, quando foi condenada a 13 anos de prisão estava lotada na Secretaria de Fiscalização e Controle do Senado, agora extinta. Maria Helena era, bem a propósito, a encarregada de fiscalizar as prestações de contas das verbas indenizatórias dos senadores! Apesar da condenação e de ainda responder a vários outros processos, o ex-governador capixaba é categórico ao mostrar falta de arrependimento: "Rigorosamente, não tem um fato que me faça sentir com a consciência presa." Independentemente de entrar-se no mérito da questão, ou de saber se as penas recebidas pelos réus desse processo são justas ou exageradas, forçoso é reconhecer que sentenças tão tardias como essa têm escasso valor pedagógico ou dissuasório, uma vez que, com a demora da punição, descumprir as leis e praticar desmandos na administração pública passa a ser um bom negócio. Temos nos referido, ao comentar os processos em curso de cassação de mandatos de governadores - dois já concluídos e com os respectivos réus já cassados -, aos efeitos deletérios da morosidade da Justiça - no caso, a Eleitoral, que em outros campos, como o da organização da votação e da apuração de votos, tem merecido prestígio internacional pela eficiência. As cassações de governadores em meio de mandato, graças à lentidão dos processos, causam tumultos político-administrativos às vezes insuperáveis, que castigam injustamente a população. Sob o ponto de vista ético-jurídico, no entanto, nada parece mais negativo, para a imagem da Justiça, do que um governante ser punido apenas depois de ter encerrado seu mandato. De fato, se o ex-governador capixaba tem algo que o faça se arrepender, certamente não o será em razão da atuação da Justiça.