20 de setembro de 2014 | 02h12
Num gesto populista que denota certo desespero político, e a pretexto de proteger os consumidores e as pequenas e médias empresas, Cristina conseguiu do Congresso a aprovação do projeto que reforma a antiga Lei de Abastecimento criada em 1974 (na gestão de Juan Domingo Perón), assegurando ao governo o poder de interferir em decisões essenciais das empresas privadas.
Pela nova lei, o governo argentino pode, "em qualquer etapa do processo econômico", determinar a uma empresa o volume que ela deverá produzir, sua margem de lucro, volumes mínimos e máximos de comercialização - o que implica controlar estoques - e os preços de referência.
A reforma recém-aprovada retira da lei original a possibilidade de prisão de "agiotas e especuladores" que não oferecerem produtos em volume suficiente para abastecer o mercado, mas estabelece multas vultosas, de até US$ 1,5 milhão, ou a suspensão das atividades da empresa por até 90 dias.
Trata-se de uma violência que associações empresariais tentarão barrar na Justiça por considerá-la inconstitucional. Desde que o governo propôs essas medidas, o chamado Grupo dos Seis (G-6) - formado pela União Industrial Argentina, Sociedade Rural, Bolsa de Comércio, Câmara de Comércio, Câmara da Construção e Associação dos Bancos Privados - apontava aspectos que, no seu entender, violam a Constituição argentina. O G-6 cita três princípios constitucionais que a intervenção estatal pretendida pelo governo viola: ela fere o direito de propriedade, ignora o direito constitucional de se associar para exercer atividades legais e desrespeita a proibição constitucional de delegar competências judiciais ao Poder Executivo.
O presidente da Sociedade Rural, Luis Miguel Etchevehere, adverte que, com as novas competências que lhe foram atribuídas pela reforma da Lei de Abastecimento, o governo poderá entrar nas propriedades agrícolas e determinar o confisco de cereais ou oleaginosas eventualmente estocados, sob a alegação de que os produtos ali estavam armazenados para "especulação".
Os produtores, por razões óbvias, procuram vender sua produção no momento em que os preços lhes parecem mais convenientes. A capacidade dos silos do país é estimada em 21 milhões de toneladas. Tudo o que estiver lá é para especular no mercado? E, para a Argentina, que necessita de dólares para tentar conter a sangria de suas reservas, atualmente em nível muito baixo, vale a pena vender sua produção a qualquer preço ou é melhor esperar que as cotações internacionais de suas principais commodities agrícolas subam?
O que regulariza o abastecimento e afasta a escassez - que pressiona a inflação - é a produção constante e, se possível, crescente, o que exige um ambiente que estimule investimentos. Mas o empresariado está assustado com os maus resultados que o país vem colhendo.
A produção industrial está em queda há vários meses, o déficit público em julho foi 41% maior do que o de julho de 2013 e o consumo das famílias caiu 2% nos oito primeiros meses do ano. Os salários estão perdendo a corrida para os preços. No cálculo de instituições privadas, a inflação alcançou 2,65% em agosto e 40,4% em 12 meses (para o governo foi a metade). O intervencionismo kirchnerista deverá piorar esses números.
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