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Lento e contido

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Por Redação
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Dos dados da produção industrial de março divulgados pelo IBGE, alguns justificam conclusões otimistas. A produção de veículos, por exemplo, cresceu 7% em relação a fevereiro e 56,5% sobre dezembro de 2008. A produção da indústria em geral cresceu 0,7% comparada com o mês anterior. Dados como esses foram comentados com entusiasmo pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. "Já estamos em crescimento", disse. Pesquisadores do IBGE já falam em uma "inequívoca" reação da indústria. É preciso, porém, observar os demais dados do IBGE e os de outras pesquisas para se ter um quadro mais completo da atividade econômica. Embora os números citados pelo ministro justifiquem algum otimismo - pois mostram que, em diversos setores, o quadro parou de piorar -, há vários dados, inclusive alguns referentes a abril, que recomendam cautela nas projeções. A crise não acabou. Não se pode perder de vista a base utilizada para essas comparações. A crise atingiu a economia brasileira no fim do ano passado e alguns setores sentiram o impacto imediatamente, interrompendo em setembro o processo de crescimento que vinham registrando havia vários meses. Outros registraram em dezembro seus piores desempenhos em muitos anos. Outros ainda resistiram algum tempo, mas em fevereiro a indústria em geral apresentou o pior resultado desde o início da crise. Não causa surpresa, por isso, o crescimento da produção em março, registrado pelo IBGE em 11 das 27 atividades pesquisadas, na comparação com fevereiro. Mas é um crescimento insuficiente para repor as perdas dos últimos meses. No caso dos veículos, por exemplo, apesar do aumento contínuo desde janeiro, a produção de março foi 28,6% inferior à de setembro do ano passado, quando a crise começou. Na comparação com 2008, quando não havia sinais de crise, os resultados são decepcionantes. Em março, a produção da indústria foi 10% menor do que em março de 2008. A produção acumulada no período janeiro-março deste ano foi 14,7% menor do que a dos três primeiros meses de 2008. Quando se examina o desempenho da indústria de acordo com as categorias dos produtos definidas pelo IBGE (bens de capital, bens intermediários, bens de consumo duráveis e bens de consumo semiduráveis e não-duráveis), nota-se que o resultado geral só não foi pior por causa de medidas de estímulo ao consumo que o governo adotou a partir de dezembro, como a redução de impostos e o aumento da oferta de crédito. A produção de bens duráveis em março, impulsionada pelo setor automobilístico, foi 1,7% maior do que a de março de 2008. Mas, no acumulado dos três primeiros meses do ano, o resultado é 22,5% menor do que o de 2008. Mais dependente do nível de renda da população, que não registrou grandes oscilações, a produção de bens semiduráveis e não-duráveis mostrou um comportamento mais regular. Cresceu 0,8% na comparação de março com fevereiro e 2,9% na comparação com março de 2008, e caiu 3% na comparação do primeiro trimestre de 2009 com o de 2008. Já a produção de bens de capital, que reflete a disposição das empresas de investir em modernização e ampliação da produção, vem caindo desde setembro. A de março foi 37% menor do que a do início da crise e 23% menor do que a de março de 2008. A produção atual está no nível da de 2006, o que significa a perda dos três anos em que o setor teve evolução constante. No início da crise, o investimento foi contido pela desconfiança generalizada e pelo congelamento do crédito; agora, é o desânimo do empresariado que o inibe. Será lenta a retomada da produção de bens de capital, o que tende a retardar o crescimento futuro - e a frustrar o governo. Outros dados recém-divulgados também contrariam o otimismo oficial. Em abril, a demanda de energia elétrica foi 5,3% menor do que em março, de acordo com o Operador Nacional do Sistema. E a venda de veículos no varejo foi 13,6% menor do que a de março. A produção da indústria automobilística, que vinha puxando a produção industrial, certamente refletirá essa mudança no comércio.