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Opinião|Lewandowski pró-corporativismo

É evidente o viés corporativista de sua decisão contrária à Medida Provisória 805

Atualização:

Conforme liminar concedida na última segunda-feira, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), atendendo a pedido do PSOL, suspendeu os efeitos da Medida Provisória 805, de 2017, que adiava um mal criado reajuste salarial de servidores federais e ampliava a taxa de contribuição previdenciária para 14% dos salários mais altos. Segundo o jornal Valor do último dia 19, a decisão impôs uma perda de R$ 6,6 bilhões ao Orçamento da União em 2018.

Tem caráter liminar e passará ainda pelo plenário do STF. Mas essa passagem não tem prazo – deveria ser imediata – e, neste país da procrastinação de decisões governamentais importantes, não há como ser otimista quanto à possibilidade de o dano fiscal da liminar ser rapidamente revertido. E, pior ainda, a decisão de Lewandowski também poderá ser mantida pelo plenário do Supremo.

Entre seus argumentos, está o de que “não se mostra razoável suspender um reajuste de vencimentos que, até há cerca de um ano, foi enfaticamente defendido por dois ministros de Estado e pelo próprio presidente da República como necessário e adequado, sobretudo porque não atentaria contra o equilíbrio fiscal, já que os custos não superariam o limite de gastos públicos e contariam com previsão orçamentária, justamente em um dos momentos mais graves da crise econômica pela qual, alegadamente, passava o país”.

Ora, essa defesa do reajuste foi um dos maiores erros que Temer cometeu. Com o adiamento – e note-se que não se trata de cancelamento – ele procurou se redimir em parte. E não há como falar de equilíbrio fiscal, pois o que há é um gravíssimo desequilíbrio, e entre seus fatores agravantes está a Previdência tanto do regime do INSS como daquele próprio dos servidores.

Se houve previsão orçamentária para a concessão do reajuste, na presença do teto para a expansão das despesas ela implicará corte de gastos prioritários, como em saúde e educação. Como, aliás, já vem sendo feito, em particular por força de déficits previdenciários em expansão e também do efeito do reajuste salarial no seu impacto nas contas de 2017. Acrescente-se que no mesmo ano a inflação veio abaixo da prevista pelo Orçamento, em prejuízo da arrecadação e do espaço para acomodação do reajuste equivocadamente concedido.

Também não se pode falar da “(...) crise econômica pela qual, alegadamente, passava o país”, com esse verbo no passado. A crise continua. O tal fim da recessão decorre de convenção entre os economistas: a de que dois trimestres consecutivos de aumento do produto interno bruto (PIB) – o que veio no primeiro semestre deste ano – marcam o fim de uma recessão. Ora, mesmo o aumento do PIB esperado para o ano como um todo, de algo em torno de só 1%, está muitíssimo longe de compensar as duas quedas de 3,5% em 2015 e 2016. Com isso a economia segue num enorme buraco, movendo-se vagarosamente rumo à superfície, buraco esse que tem forte efeito negativo sobre a receita da União.

Em síntese, apesar da tentativa de Temer de se redimir do seu erro, Lewandowski usou esse erro para justificar o próprio, que se assenta numa visão equivocada da saúde orçamentária do governo federal e do estado da economia.

Passando ao veto ao aumento da contribuição previdenciária dos servidores, Lewandowski argumentou que “o aumento de contribuição previdenciária sem qualquer repercussão em benefícios previdenciários e com fim meramente arrecadatório desvirtua a exação com destinação constitucional e desconsidera a natureza retributiva própria dos regimes de previdência”. Ora, os benefícios previdenciários que o aumento da contribuição custearia já vieram no passado, levando a enorme déficit, que esse aumento cobriria apenas parcialmente, e sem retroatividade.

O ministro do STF também se indispôs quanto à adoção de uma contribuição previdenciária de taxa mais alta para os salários mais elevados, alegando que “a fixação de alíquotas progressivas (...) fere a Constituição e ofende a vedação de tributo com efeito confiscatório”. Que confisco? Se o regime próprio dos servidores é caro, há que encarar seus custos, que não cabem ao cidadão comum, que hoje paga por eles, sem nenhum benefício e suportando a conta do prejuízo. Nesse caso, Lewandowski poderia ter decidido que a maior taxa de contribuição deveria alcançar todos os servidores, evitando assim prejudicar os efeitos da MP como um todo, já que desprezou uma solução que leva em conta a capacidade de pagamento.

O ministro também não ponderou outro aspecto dessa questão da equidade distributiva. O funcionalismo público federal já é conhecido por seus privilégios, como salários acima dos de mercado para ocupações com níveis de formação educacional e de experiência equivalentes. E também por privilégios na aposentadoria que ainda prevalecem para muitos servidores, como a aposentadoria integral e o recebimento de reajustes concedidos a servidores ativos. A crise e o reajuste objeto dessa MP trouxeram outra iniquidade gritante, o fato de que a União foi exceção ao conceder reajustes a segmentos de servidores, pois a maioria dos Estados e municípios não fez o mesmo, havendo até atrasos no pagamento de salários.

Isso significa que a União tem recursos para o reajuste que concedeu? Não tem. E tampouco tem teto para seu endividamento, ao contrário dos demais entes federativos. Assim, o reajuste salarial que concedeu passou a ampliar seu déficit, coberto com mais dívida pública, o que onera a população em geral.

Segundo o jornal acima mencionado, a decisão do ministro Ricardo Lewandowski marcou seu retorno ao STF após licença médica. Ao ler os trechos citados, minha sensação foi de que, ao decidir, ele subscreveu um texto escrito por funcionários de seu gabinete. Em qualquer caso, o viés corporativista da decisão é evidente.

*Economista (UFMG, USP e Harvard), é consultor econômico e de ensino superior

Opinião por Roberto Macedo