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Liberdade de imprensa constrangida

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Por Carlos Alberto Di Franco
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A Petrobrás, uma empresa de referência, está sob fogo cruzado. Noticiário de supostos desvios de verbas em contratos superfaturados e de generosa transferência de recursos às ONGs ligadas ao petismo rendeu chamadas de capa e deu manchetes de jornal. Nada de mais. Trata-se de fato comum em qualquer democracia. E ninguém rasga as vestes. Compete à imprensa investigar eventuais irregularidades e iluminá-las com os holofotes da informação. E cabe à empresa, em respeito aos seus acionistas e à sociedade, prestar os esclarecimentos oportunos. Sempre foi assim. E sempre será. O relacionamento entre mídia e poder implica um certo grau de tensão. Felizmente. O próprio presidente da República, embora manifeste algum desconforto pontual com o trabalho da imprensa, jamais questionou a importância do jornalismo e de seu papel investigativo. Por isso, surpreende, e muito, recente inovação da Petrobrás na sua interface com os meios de comunicação. A estatal, rompendo o clássico protocolo de relacionamento com a mídia, inaugurou um blog para apresentar "fatos e dados recentes da Petrobrás e o posicionamento da empresa sobre questões relativas à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)". No ar desde o último dia 2, o blog vem sendo alimentado diariamente com reportagens jornalísticas sobre a companhia e as respostas enviadas pela empresa aos veículos de comunicação. A iniciativa provocou polêmica após divulgação, antes da publicação da reportagem, das perguntas feitas pelos repórteres. Rompeu, portanto, o sigilo que precisa existir no relacionamento entre a imprensa e a fonte prestadora das informações. No blog, a Petrobrás diz que a divulgação antecipada das perguntas tem como objetivo "dar transparência aos processos e não prejudicar o levantamento de fatos e dados de jornalistas". A empresa, numa revisão sensata, acaba de recuar. A decisão foi anunciada na última quarta-feira no seu próprio blog, em nota que afirma que as respostas só serão publicadas "por volta da 0h00 do dia da publicação da matéria". A mudança, no entanto, não alterou curiosos silêncios informativos. Uma semana após questionamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo a respeito do valor do contrato com a consultoria de comunicação Companhia de Notícias (CDN) - convocada em esquema emergencial para apoiar a estatal durante a CPI -, a Petrobrás ainda não havia divulgado a informação. A empresa chegou a informar no blog que a resposta já teria sido publicada, mas o texto não estava disponível até o momento do encerramento deste comentário. Um texto sobre o tema, sem o valor do contrato, chegou a ser publicado, mas foi retirado minutos depois. A empresa disse apenas que o contrato tem validade de três meses e que se deu de acordo com o Decreto 2.745/1998, que criou o procedimento licitatório simplificado. Para cuidar da sua imagem institucional a estatal montou uma gigantesca equipe de mais de 1.150 profissionais de comunicação, a qual supera em muito cada uma das redações dos maiores jornais do País. Certamente você, caro leitor, deve estar buscando as razões de tal montagem midiática. Não é bom sinal. Independentemente da idoneidade dos profissionais da Petrobrás, que não questiono, não é razoável tamanho aparato para quem quer apenas transmitir informações verdadeiras e qualificadas. A Associação Nacional de Jornais (ANJ) condenou a decisão da Petrobrás de veicular em seu blog, antecipando-se à publicação das reportagens, matérias exclusivas dos veículos. A entidade manifestou seu repúdio ao que considerou "atitude antiética e esquiva", "canhestra tentativa de intimidar jornais e jornalistas", além de "inaceitável quebra de confidencialidade". "Como se não bastasse essa prática contrária aos princípios universais de liberdade de imprensa, os e-mails de resposta da assessoria incluem ameaças de processo no caso de suas informações não receberem um ?tratamento adequado?", disse o comunicado da ANJ. O comportamento da Petrobrás atropelou o trabalho da imprensa. Não me lembro de um relacionamento com instituição pública que tenha terminado dessa maneira. Não é bom para a instituição, nem para a mídia, nem para os leitores, que devem ter a informação editada pela imprensa com independência e liberdade. Foi, sem dúvida, uma tentativa de inibir o trabalho dos meios de comunicação. Repórteres sérios, editores competentes e formadores de opinião éticos não são manobráveis. Não são bibelôs de empresas ou de governos. Estão, não obstante suas limitações pessoais, comprometidos com a informação, com a verdade factual e com os seus leitores. Na lógica das estratégias autoritárias, jornalistas precisam ser domesticados. A imprensa, por óbvio, não existe para agradar. E isso é bom para a própria Petrobrás. A cobrança dos jornais é benéfica para quem quer transparência real, e não apenas aparente. A imprensa brasileira, sem as mordaças que alguns teimam em recriar, tem papel decisivo no processo de purificação das nossas práticas políticas e administrativas. A mídia não é antinada e não está a serviço de partidos ou movimentos ideológicos. Nosso compromisso é com a verdade e com os leitores. A transparência informativa é elemento essencial para a renovação do Brasil. A Petrobrás, um símbolo do Brasil desenvolvido, teve o mérito de reavaliar sua precipitada iniciativa. Não seria bom para o Brasil. Não seria bom para a Petrobrás. Não seria bom para a imprensa. Não seria bom para a liberdade. Carlos Alberto Di Franco, doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, professor de Ética, é diretor do Master em Jornalismo (www.masteremjornalismo.org.br) e da Di Franco - Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com) E-mail: difranco@iics.org.br