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Lições da crise europeia

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Por Redação
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A crise dos governos endividados da União Europeia continuou assombrando os mercados financeiros e pressionando as bolsas de valores, na segunda-feira, apesar da confirmação, no dia anterior, de um pacote de ajuda de 85 bilhões (US$ 113 bilhões) à Irlanda. O pacote havia sido anunciado uma semana antes e os detalhes foram concluídos no fim de semana por autoridades da União Europeia e do FMI. O comunicado oficial foi divulgado no domingo, numa tentativa de afastar temores em relação à dívida pública de outros países. Mas, por enquanto, a notícia produziu pouco ou nenhum efeito. As especulações em torno dos problemas orçamentários de Portugal e da Espanha continuaram. Na semana passada, foi preciso oferecer juros mais altos aos compradores de títulos gregos, portugueses, espanhóis e italianos, enquanto o euro continuava pressionado. Até agora só foi preciso socorrer, de fato, duas pequenas economias. Mas a crise fiscal das duas - Grécia e Irlanda - transbordou para muito além de suas fronteiras, afetou o euro e criou um desafio para a união monetária. Os credores dos dois governos são também financiadores de outros Tesouros com alto endividamento e o risco de problemas em cadeia alarmou os mercados. Os contribuintes europeus, especialmente das maiores economias, continuam bancando a maior parte do socorro. Mais de metade da ajuda - 45 bilhões - será fornecida por meio de empréstimos bilaterais à Irlanda e de fundos de resgate criados depois do estouro da crise grega, no primeiro semestre. O FMI emprestará 22,5 bilhões. Outros 17,5 bilhões já haviam sido captados pelo governo irlandês. Com o pacote foi anunciada uma inovação na ajuda a governos em dificuldades: parte do custo será empurrada para o setor privado. A ideia é impor aos compradores de papéis públicos, a partir de 2013, uma cláusula de participação: terão de aceitar, em certos casos, a renegociação da dívida. Essa inovação tem um evidente sentido político. É, principalmente, um recado ao contribuinte: em crises futuras o custo do socorro será repartido e o pagador de impostos terá de suportar um peso menor. Mas a ideia ainda é um tanto vaga e já foi apresentada com uma ressalva: a contribuição do investidor privado será decidida caso a caso. O prolongamento da crise iniciada com a Grécia comprova as dificuldades de integração de economias muito desiguais. Essas dificuldades se tornaram mais evidentes com a criação do euro. Participam da união monetária apenas 16 dos 27 países-membros da União Europeia, mas esse grupo restrito é caracterizado por grandes diferenças em termos de desenvolvimento econômico e de produtividade. A criação de um banco central comum e a adoção de metas fiscais podem ter dado a impressão de disciplina e de convergência, por algum tempo, mas o estouro da bolha de crédito e os desafios criados pela recessão a partir de 2008 liquidaram essa ilusão. Reformas concretas - nos mercados de trabalho e de capitais, entre outras - são indispensáveis para uma convergência e facilitariam a consolidação do euro, como Jim O"Neill, presidente da Goldman Sachs Asset Management e criador do termo Bric, observou em artigo no Estado de domingo. As dificuldades da União Europeia, e particularmente as da zona do euro, são lições importantes para a América Latina. A ideia da unificação monetária entrou na pauta de governos da região há vários anos e é retomada com frequência. Mas é um despropósito pensar em moeda comum antes de uma redução substancial das chamadas assimetrias econômicas. O caminho mais prudente para os sul-americanos continua sendo o da integração por meio de um comércio cada vez mais aberto. O governo brasileiro considera insuficiente esse processo, mas está errado. O comércio pode proporcionar uma base segura para uma cooperação bem planejada, especialmente se o objetivo mais ambicioso for a inserção da região na economia global. O resto é fantasia, como têm mostrado os percalços do Mercosul.