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Lobby e democracia

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Por Denis Lerrer Rosenfield
3 min de leitura

As sociedades modernas estão cada vez mais submetidas a processos de representação política que não se esgotam nas esferas partidárias e eleitorais. Diferentes grupos de pressão - religiosos, sociais, sindicais e empresariais - fazem exercer as suas demandas diretamente nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A defesa dos interesses particulares é algo politicamente legítimo, sempre que e quando vem acompanhada da transparência e da publicidade adequadas. O problema da defesa dos interesses particulares é quando ela é feita de uma forma obscura, encobrindo o prejuízo que o seu atendimento poderia acarretar para toda a coletividade. A palavra "lobby", entre nós, tem um forte sentido pejorativo, e o seu significado está atrelado a uma prática escusa e inconfessável, como algo que não deveria ser feito, algo moralmente condenável. Logo, fala-se do lobby dos cotistas, dos sindicalistas, dos empresários, dos religiosos e assim indefinidamente. A questão, porém, consiste no tipo de interesse contemplado, que poderia ser traduzido da seguinte maneira: "É o interesse do grupo X válido apenas para ele ou pode ser generalizado para toda a sociedade?" O lobby é particularmente favorecido pela estrutura do Estado brasileiro, fortemente burocratizado, que se sustenta pelos privilégios que concede a grupos determinados. Dessa maneira, arma-se toda uma estrutura de tipo clientelista e assistencialista que possibilita aos governantes se legitimarem e se conservarem no poder. Nessa perspectiva, nada mais normal que os diferentes setores da sociedade procurem exercer a sua influência nas mais diferentes instâncias da administração pública, nos níveis do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Se não o fizerem estarão sendo muito prejudicados. Pense nos juros subsidiados dos empréstimos do BNDES, no emaranhado da legislação tributária, no poder do Executivo em diminuir as alíquotas de impostos para determinados setores e não para outros. Por exemplo, por que não uma redução uniforme, para todos, do IPI, e não apenas para as montadoras, que souberam fazer lobby? Sindicatos, associações, federações e confederações de trabalhadores e empresariais cumprem um papel importante de mediação entre a sociedade e o Estado. Lá se organizam interesses específicos, voltados para a defesa de determinadas propostas, vistas sob a ótica daqueles que trabalham e investem. Os partidos são muitas vezes alheios a essas questões, centrados que estão em seus próprios interesses particulares. Uma questão desse tipo se potencializa ainda mais se o sistema partidário estiver em crise, pois aqui se abre todo um espaço para as entidades sindicais, as associações, as federações e as confederações. Não podemos esquecer que as sociedades democráticas são sociedades articuladas segundo interesses específicos organizados, corporativos. Os que não se organizam e os que não defendem os seus interesses são relegados a uma posição secundária. O Brasil não possui uma legislação que regulamente a prática do lobby. O problema não consiste, ou não deveria consistir, na defesa dos interesses particulares, mas na sua forma de apresentação e de justificação. Se o Brasil não tiver uma legislação sobre o tema, isso não significa que a prática deixará de existir. Implica tão somente que ela continuará sem nenhum tipo de regulamentação, favorecendo a propina, a corrupção e a deterioração da representação política. Obama, senador em 2007, escreveu: "Mas já é tempo que nós tenhamos um Congresso que diga às indústrias farmacêuticas e às empresas de petróleo e de seguros que elas podem ter um assento à mesa em Washington, elas não podem, porém, comprar todos os assentos." O discurso de Obama foi em defesa da nova lei sobre lobbies, aprovada pelo Congresso no mesmo ano de 2007. Essa nova lei amplia o escopo da anterior, que continua válida, de 1995, estabelecendo novas exigências e condições e atendendo às novas exigências da sociedade americana. O Brasil possui dois projetos de lei (PL), que até hoje não foram à votação. Para ter uma ideia da enormidade das dificuldades, o primeiro, do senador Marco Maciel (DEM-PE), de número 2.003, data de 1989 e, tendo sido aprovado pelo Senado, tramita até hoje na Câmara. Observe que o projeto do senador Marco Maciel regulamenta a prática somente no Poder Legislativo, e não no Executivo e no Judiciário. O outro projeto é do deputado Carlos Zarattini (PT-SP), o PL nº 1.202, de 2007. Ele abrange a administração pública federal no seu conjunto, aplicando-se tanto ao Executivo quanto ao Legislativo, fazendo inclusive referência ao Judiciário. Quando da tramitação do projeto do senador Marco Maciel na Câmara dos Deputados, um deputado demonstrou a sua inconformidade com o projeto da seguinte maneira: "É a legalização da sacanagem!" O que o deputado não disse é que a "sacanagem" continua existindo independentemente da regulamentação. Não se poria, precisamente, um freio à corrupção, diminuindo a sua eficácia e pondo um cobro à sua generalização enquanto forma de fazer valer interesses que não querem se apresentar publicamente? Kant tem uma formulação da justiça que é particularmente apropriada para a questão da regulamentação do lobby. Escreve ele, a propósito de questões legais, que uma lei que não pode ser publicizada é injusta. Ou seja, toda prática política que é subtraída do olhar público tem algo que esconder, algo que prejudica o bem coletivo. Se há algo a ser escondido, é porque a injustiça se encontra no seu fundamento. Transplantando essa formulação para a questão do lobby, podemos dizer: "Toda satisfação de interesses particulares, junto à esfera estatal, que não pode ser tornada pública, é injusta." Ter-se-ia, então, um processo de formação da opinião pública, que a faria ainda mais atenta à fiscalização das atividades legislativas, executivas e judiciárias. Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS E-mail: denisrosenfield@terra.com.br