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Lobby e regulamentação

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Por Denis Lerrer Rosenfield
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O episódio envolvendo a empreiteira Camargo Corrêa expõe com particular nitidez a necessidade de uma legislação sobre o lobby no Brasil. As formas de pressão, os projetos envolvidos e o montante de recursos em pauta revelam uma forma de existência tanto de empresas quanto do Estado brasileiro. As empresas são, por assim dizer, impelidas a defenderem os seus interesses junto a um Estado que atua sob a forma de concessão de privilégios. Este, por sua vez, procura se legitimar concedendo benefícios a alguns em detrimento de outros, aproveitando-se da falta de regras que regulamentem a legítima defesa dos interesses particulares. Quanto mais fácil seria, por exemplo, se os que exercem as funções de lobby fossem perfeitamente identificados, registrados inclusive eletronicamente para facilitar a vida de todos, assumindo a defesa de interesses legítimos e revelando os recursos envolvidos na tarefa de intermediação. Em lugar disto, temos prática legais e escusas ao mesmo tempo, num linguajar assaz estranho, na medida em que as palavras que designam essas atividades são "por dentro" e "por fora". Curioso jogo de basquete, em que as cestas "por dentro" valem menos do que as "por fora". Como se faria a contagem? Não deveria esse jogo ser regulamentado? Outros exemplos seriam os de ONGs indígenas e ambientalistas, que atuam como lobbies junto ao Congresso Nacional e ao Poder Executivo, exercendo um influente papel junto à opinião pública. Aparecem sob a aura da "boa" causa, sem que se saiba exatamente quem são os seus protagonistas. Quem são? A quais interesses internacionais respondem? Quem os financia? Quantos recursos estão envolvidos? Observe-se que se trata de organizações ricas, muito bem organizadas, com logística refinada. Onde ficam o direito de propriedade, a soberania nacional e o pacto federativo? E tudo isto ocorrendo sem uma regulamentação específica, que exiba os atores, conferindo, portanto, transparência ao próprio jogo político. Embora o País esteja atrasado em uma regulamentação a respeito, o mesmo não se pode dizer de iniciativas que, há muito tempo, expunham a necessidade de uma legislação sobre o lobby. Nos idos de 1989, o senador Marco Maciel apresentou, numa medida absolutamente pioneira, um projeto de lei regulamentando a prática do lobby junto ao Congresso Nacional. Neste meio tempo, os EUA aprovaram duas leis, uma de 1995 e outra de 2007, que puseram aquele país num patamar diferente. O deputado Carlos Zarattini (PT-SP), em 2007, apresentou um outro projeto de lei, recolhendo e ampliando a experiência anterior, em particular, tornando-a válida, como a americana, para o Poder Executivo. Note-se que já se passaram 20 anos e nada foi feito. O resultado só pode ser a falta de transparência e a impunidade. A corrupção é somente uma consequência. A justificação do projeto de lei do senador Marco Maciel está baseada na constatação de que as sociedades modernas são progressivamente complexas, colocando novos problemas do ponto de vista da representação. Os interesses particulares envolvidos são cada vez mais diversificados, exigindo, portanto, que sua veiculação na esfera estatal seja regulamentada. E regulamentada significa o estabelecimento de critérios e condições que a tornem pública. Ou seja, a participação na esfera estatal deve ser pública e não privada, entendendo-se por privada restrita a grupos determinados, que não se identifiquem publicamente. Se não há identificação, a participação e os seus efeitos se tornam obscuros, o que pode significar: condenáveis. A ênfase da justificação é posta na legitimidade dessa defesa dos diferentes interesses particulares em sociedades cada vez mais especializadas, cujo modo de funcionamento demanda que sejam veiculados junto à esfera estatal. Trata-se de grupos de pressão, que se situam numa esfera intermediária entre o indivíduo e o Estado. Coloca-se a questão da presença de "instituições intermediárias fortes", que expressem interesses legítimos da sociedade. Estamos diante da representação das esferas econômicas e sociais, que se estruturam na própria sociedade e se fazem presentes - representadas - junto à administração pública. Quanto mais clara for, maiores serão os benefícios para a sociedade no seu conjunto. No caso do Congresso, a Câmara dos Deputados e o Senado deveriam se dotar de instâncias adequadas de utilização das forças da sociedade mediante o estabelecimento de mecanismos de controle. A atividade parlamentar, com essa regulamentação, se tornaria mais pública e exposta à fiscalização da sociedade. Ademais, evitar-se-ia a confusão de interesses escusos e legítimos com interesses particulares, que não ousam se apresentar publicamente. Cuidar-se-ia, também, de não sobrepor essa forma de representação social à representação propriamente política e parlamentar. O projeto de lei do senador Marco Maciel se preocupa em evitar distorções na atividade parlamentar, que seriam o resultado da pressão ilícita de interesses econômicos ou outros, que não se apresentam publicamente. O mesmo vale, no projeto de lei do deputado Carlos Zarattini, para o Poder Executivo. Trata-se de regulamentar essa relação entre os atores econômicos e sociais e a administração pública em geral, baseada na publicização dessas atividades. Desta maneira, a sua validade se ampliaria para a legislação infralegal, que se faz por atos administrativos, como decretos, portarias, resoluções e instruções normativas. Os jogos de pressão e de contrapressão fazem parte da democracia e, em particular, da atividade parlamentar. Não se pode, porém, confundi-los com a satisfação de interesses que se coloquem contra os interesses públicos, conferindo privilégios apenas a alguns, os que souberam fazer lobby no mau sentido da palavra. A fiscalização pública seria o seu antídoto, tornando a sociedade partícipe deste processo. Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na UFRGS. E-mail: denisrosenfield@terra.com.br