
09 de julho de 2012 | 03h07
O Partido dos Trabalhadores, como demonstrou Antônio Paim na obra Para Entender o PT (Londrina: Instituto Humanidades, 2002), constitui, na História republicana contemporânea, a mais completa encarnação do patrimonialismo. Lula tem conduzido o seu partido nessa direção, afastando-o, ciosamente, dos extremos reformista-modernizador e revolucionário e conservando-o no patamar da estratégia de privatização do poder para enriquecimento próprio e dos seus confrades.
É o que o PT tem feito ao longo destes dez anos: ocupar a máquina do Estado como se fosse sua propriedade particular, tentando cooptar os outros partidos. O mensalão seria apenas expediente tático dessa estratégia. E a aproximação com as tradicionais lideranças patrimonialistas (Sarney, Maluf, etc., identificados por Lula como "pessoas especiais") constituiria uma decorrência natural dela. Nesse sentido, o ex-presidente da República prestou um grande serviço para o esclarecimento da natureza alimentar da política petista, tendo posto a nu a sua índole nitidamente patrimonialista e cooptativa. Nessa negociação de apoios cooptados entrou a própria Igreja Católica (mãe do PT, no início dos anos 1980, juntamente com o novo movimento sindical), quando pareceu afastar-se do pragmatismo lulista, que ameaçou, pela boca do ministro Gilberto Carvalho, privilegiar os evangélicos. Brizola, na sua retórica dos pampas, identificou a tendência às cooptações amplas do lulismo com aquela frase que ficou famosa: "O PT é a esquerda que a direita gosta". Trocado em miúdos, Lula tem disposição para cooptar todo mundo que apareça no cenário político, não importando a ideologia.
Lula é animado, nessa estratégia patrimonialista, pelo modelo ético identificado com o princípio de "levar vantagem em tudo", que se aproxima do imperativo comportamental totalitário ao acreditar que, nessa empreitada, "os fins justificam os meios". Essa constitui, a meu ver, a variante destrutiva do lulopetismo, que ignora qualquer outro imperativo ético, bem como a natureza das instituições republicanas, em função da estratégia dominante de conquista do poder para benefício exclusivo da agremiação partidária. Tudo deve ser cooptado: partidos da base aliada, oposição, imprensa, bem como os outros Poderes. O que resta de toda essa força centrípeta é o mar de lama a transbordar no recipiente da História republicana contemporânea. Infeliz pragmatismo que está conduzindo o Brasil à entropia da vida política e social, aproximando-nos lastimavelmente do caudilhismo peronista e do chavismo.
Octavio Paz caracterizou a feição cooptativa e punitiva do Estado patrimonial mexicano na sua clássica obra intitulada O Ogro Filantrópico (1983). Lula está deixando registrada, nos anais dessa modalidade de Estado, uma narrativa que poderíamos intitular O Ogro Pilantrópico, tamanha a desfaçatez com que o guru e os seus seguidores aceitam qualquer tipo de malfeitos, conquanto praticados em benefício da agremiação partidária e dos seus filhotes, e ameaçam, com a mais decidida perseguição, aqueles que ousarem contrapor-se ao projeto de dominação em andamento: a imprensa livre, a oposição e os empresários independentes.
A economia vai mal justamente porque, nesse terreno, impera também a cooptação, mediante a seleção prévia dos empresários amigos que serão guindados às alturas graças às benesses dos empréstimos oficiais subsidiados via BNDES. É a velha prática lusitana do pombalismo em matéria econômica, que constitui o nosso colbertismo tupiniquim. O caso Cachoeira-Delta está a revelar a extensão dessa prática deletéria na economia brasileira. De nada adiantam as articulações do PT e da base aliada para obedecer às ordens da liderança petista no sentido de criar obstáculos ao comparecimento da cúpula da empresa em questão à CPI.
A sociedade brasileira já pressente, na inflação que regressa, o tamanho do rombo. Os excedentes obtidos a partir da valorização das commodities que exportamos foram utilizados pelo governo para encher os bolsos dos companheiros ou cooptar os "movimentos sociais", deixando de fazer o dever de casa no que tange às obras de infraestrutura, que potencializariam o nosso desempenho comercial no mundo globalizado.
Especialistas calculam que o montante a ser aplicado nessas obras de infraestrutura deveria situar-se na faixa dos R$ 800 bilhões, mais ou menos a cifra que, ao longo dos governos petistas, foi despejada pelo ralo da corrupção e da cooptação. Resultados indesejáveis num mundo em grave crise financeira, que não perdoa cochilos das lideranças. Aproximamo-nos, nesse desleixo, da preguiça macunaímica do herói sem nenhum caráter que acordava, na narrativa de Mário de Andrade, pronunciando o bom-dia das sociedades sugadas pelo mostrengo patrimonialista: "Ai que preguiça!".
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