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Maduro desafiado no Mercosul

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Por Redação
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Se o Mercosul fosse formado apenas por democracias sólidas, não seria mais necessário reafirmar o compromisso de seus membros com as liberdades e com o respeito aos direitos humanos. A entrada da Venezuela no bloco, no entanto, transformou um tema que hoje deveria ser meramente protocolar no principal assunto da mais recente reunião de cúpula do Mercosul.

Eis a consequência, na prática, da irresponsabilidade dos países que fizeram gestões para que a Venezuela ingressasse no bloco mesmo diante dos evidentes sinais de deterioração de sua democracia. Em vez de empenhar-se em discutir o que fazer para finalmente destravar o processo de integração comercial, o Mercosul gasta tempo e energia ao ter de lidar com o histrionismo chavista, que reduz todas as questões importantes da região a um duelo entre a “revolução bolivariana” e o “imperialismo americano”.

Em sua estreia no Mercosul, o recém-eleito presidente da Argentina, Mauricio Macri, tratou de colocar as coisas em seus devidos lugares ao dizer que estava ali para “pedir expressamente a rápida libertação dos presos políticos da Venezuela”. Macri enfatizou que “não pode haver lugar para a privação de liberdade por questões ideológicas”.

Foi a primeira vez que o governo venezuelano foi cobrado no Mercosul pela situação dos direitos humanos em seu país. Até então, a despeito da cláusula democrática do bloco, que manda suspender o associado que age como a Venezuela do autocrata Nicolás Maduro, o que havia era o silêncio tácito, quando não o aplauso entusiasmado, por parte de governos simpáticos ao chavismo. É o caso do governo de Dilma Rousseff, que, ao lado da então presidente da Argentina, Cristina Kirchner, articulou em 2012 a entrada da Venezuela no Mercosul.

Não se pode esquecer como Dilma e Cristina tramaram para que o Mercosul suspendesse o Paraguai – que resistia a aceitar o ingresso da Venezuela – e assim abriram as portas para os chavistas. Enquanto isso, os paraguaios amargaram uma dura punição por terem afastado seu presidente Fernando Lugo em uma decisão soberana, tomada com base nas leis do país, mas que ainda assim foi interpretada como “golpe” por Dilma.

Já a Venezuela de Maduro pode tudo. Pode prender opositores, sufocar a imprensa independente, manietar o Judiciário e aterrorizar os cidadãos por meio de milícias governistas e, ainda assim, será considerada uma “democracia” pelo governo petista. O fato de Maduro ter reconhecido a derrota nas eleições legislativas do dia 6 de dezembro bastou para que Dilma, na cúpula do Mercosul, saudasse o autocrata por seu “espírito democrático”.

No entanto, Dilma esqueceu – ou tratou de ignorar – que Maduro tudo fez para reduzir ao máximo as chances da oposição durante a campanha, recorrendo a casuísmos os mais diversos, intimidando candidatos e eleitores e monopolizando a exposição na mídia em geral. Mesmo recorrendo a todo tipo de expediente criminoso, o chavismo foi derrotado de forma acachapante, o que obrigou Maduro a admitir o fracasso. Mas sua natureza ditatorial logo se impôs: “Não pensem que isso vai ficar assim. Não vamos permitir que a direita consolide seu golpe eleitoral fascista. O povo se declara em rebelião”, discursou o chavista, pouco mais de uma semana depois da eleição.

Diante disso, Macri achou por bem lembrar a Maduro de que a Venezuela, por ser parte do Mercosul, tem de respeitar a democracia. Decerto ciente de que seria cobrado pelo argentino, Maduro não foi à reunião, mandando em seu lugar sua chanceler, Delcy Rodríguez. E ela foi com espírito armado: acusou Macri de se intrometer em assuntos da Venezuela e, mostrando que estava previamente preparada para responder à interpelação, brandiu fotos que supostamente comprovavam a violência da oposição venezuelana.

Foi um espetáculo deprimente, à altura de um bloco econômico condenado à paralisia graças à mentalidade terceiro-mundista que ainda prevalece entre alguns de seus integrantes, especialmente o Brasil governado pelo PT.