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Mágica na Previdência

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Por Redação
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O ministro da Previdência, Garibaldi Alves, propõe uma solução simples e quase mágica para cortar pela metade o déficit previdenciário: mudar a forma de contabilizar receitas e despesas, transferindo certos custos a outras áreas do governo. Com essa alteração, o déficit acumulado de janeiro a maio diminuiria de R$ 17,84 bilhões para R$ 8,91 bilhões. Bastaria lançar nas contas da Fazenda e de outros Ministérios o peso dos benefícios fiscais concedidos, por exemplo, a entidades filantrópicas e a empresas inscritas no regime tributário do Simples Nacional. A solução parece boa, exceto por três detalhes: 1) mesmo com a redistribuição dos custos, o déficit nas contas do Ministério da Previdência ainda será muito grande; 2) para o conjunto do governo, o benefício produzido pela mudança será nulo, porque o buraco total será o mesmo; 3) as despesas (ou renúncias) poderão ser reclassificadas, mas o problema de financiar os benefícios previdenciários permanecerá.A proposta elaborada no Ministério da Previdência poderá converter-se em projeto de lei. Segundo seus defensores, o problema financeiro do setor é bem menos grave do que se afirma correntemente e, portanto, uma reforma ampla é desnecessária. De acordo com eles, bastarão ajustes limitados. Um dos acertos será a substituição do fator previdenciário - "fator maldito", na linguagem do ministro. Esse dispositivo, adotado em 1999, adapta o regime de aposentadoria à crescente expectativa de vida da população. Uma das consequências dessa inovação foi o adiamento de grande número de aposentadorias. Entre a adoção do mecanismo e o ano passado, a fórmula permitiu à Previdência uma economia acumulada de R$ 31 bilhões. O ministro Garibaldi Alves fixou em setembro o limite para a discussão de um novo mecanismo de cálculo. Mas a ideia de resolver os problemas financeiros da Previdência com pequenas mudanças é um equívoco - de início, produto de uma grande confusão. A mudança contábil poderá redistribuir entre vários Ministérios um problema hoje concentrado no da Previdência. Mas isso seria desnecessário, se o objetivo fosse apenas tornar o assunto mais claro. A contabilidade atual já discrimina os vários tipos de despesa, separando renúncias fiscais e pagamentos de benefícios. Bastaria tornar a diferença mais clara na apresentação final das contas e na comunicação oficial do governo. A mesma observação vale para o caso da aposentadoria rural, financiada só parcialmente pelas contribuições.Mas o problema só ficará realmente claro quando houver uma perfeita separação entre responsabilidades do Tesouro Nacional e do sistema previdenciário baseado em contribuições. Essa distinção já houve há muitos anos, mas foi praticamente esquecida. Não há nada de errado em financiar a Previdência, total ou parcialmente, com a receita própria do Tesouro, se esse detalhe for bem definido contábil e politicamente. É indispensável tratar o assunto com absoluta nitidez, porque os gastos da Previdência sempre serão componentes do problema fiscal em seu conjunto. Quanto maiores esses gastos, maior terá de ser o custo suportado pelos contribuintes, sob a forma de impostos ou de pagamentos destinados especificamente ao sistema previdenciário. Sem o aumento da arrecadação total, o Estado só poderá suportar as despesas crescentes com aposentadorias e benefícios à custa do abandono de outras funções. A solução, portanto, é planejar adequadamente a evolução das despesas previdenciárias, levando em conta projeções demográficas e econômicas confiáveis e realistas. Não se pode, por exemplo, adotar as hipóteses mais favoráveis de crescimento econômico, como tendem a fazer os políticos, por oportunismo ou incompetência. O sistema previdenciário brasileiro precisa, sim, de uma reforma ampla e ousada, indispensável para se evitar graves impasses financeiros e econômicos num futuro razoavelmente próximo. O resto só pode ser ou ingenuidade ou mera combinação de oportunismo e demagogia.