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Mais bondades no orçamento

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Por Redação
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A Câmara dos Deputados continua empenhada na concessão de bondades pagas com dinheiro do contribuinte, desta vez para beneficiar dezenas de milhares de funcionários de vários setores do governo. A proximidade das eleições pode ser apenas uma coincidência ? semelhante àquela já observada na última semana, quando o Senado aprovou o aumento de 7,7% para aposentados e pensionistas e a extinção do fator previdenciário. Desta vez, foram dois os projetos sacramentados. Um deles, aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, em caráter terminativo, estabelece gratificações e reajustes para 32.763 servidores. O outro, uma alteração da Medida Provisória (MP) 479, reestrutura numerosas carreiras do serviço público federal. No plenário, foi submetido a votação simbólica, rapidíssima, para chegar logo ao Senado, por causa do prazo de validade da MP. Os deputados provaram, mais uma vez, ser capazes de multiplicar as bondades concebidas no Executivo. A MP 479, editada em 30 de dezembro e prorrogada por 60 dias em março, já continha, na versão original, uma longa lista de vantagens para funcionários de diversas carreiras. Na Câmara, foi alterada e, segundo o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), ninguém conhece exatamente as emendas contidas no texto aprovado às pressas. Mas alguns detalhes foram divulgados e indicam despesas bem maiores que as previstas inicialmente pelo governo. Embora o Executivo tenha tentado limitar o estrago, foram acatadas pelo menos 12 das 201 emendas propostas por parlamentares. Uma delas aumenta o número de funcionários do Ministério da Saúde e da Funasa beneficiados com a Gratificação de Atividade de Combate e Controle de Endemias. Só essa mudança deve produzir um impacto de R$ 160 milhões, segundo cálculo do governo. Graças a outra mudança no texto, também contra a intenção do governo, professores dos extintos territórios do Acre, do Amapá, de Rondônia e de Roraima poderão ser incluídos nos quadros docentes de instituições federais. Uma terceira proposta reduz o tempo semanal de trabalho do perito médico previdenciário de 40 para 30 horas sem redução de salário. Com as várias mudanças, a MP causará um aumento estimado em R$ 1,8 bilhão na folha de pagamentos da União. O projeto aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça resultará neste ano em gasto adicional estimado em R$ 401,9 milhões. Prevê-se impacto de R$ 773,7 milhões em 2011 e de R$ 791,8 milhões em 2010. Entre outros benefícios para várias categorias, a proposta estabelece um adicional de até R$ 1.042 por participação em missão no exterior para servidores do Itamaraty, reajuste de gratificação de desempenho para agentes penitenciários federais e aumento salarial e de gratificação para funcionários da Agência Brasileira de Inteligência. O Executivo pode tentar resistir a alguns atos de generosidade dos parlamentares, mas é responsável, de modo geral, pelas iniciativas de aumento de salários e de gratificações. Elevar a remuneração dos servidores e reestruturar carreiras podem ser medidas justificáveis em vários casos, como atos destinados à melhora da administração pública. Mas o governo tem obviamente abusado da concessão de benefícios, inflando a folha de pagamentos de forma quase ininterrupta nos últimos sete anos. O custo salarial da União tem crescido tanto pelo aumento do salário médio quanto pela expansão do quadro de pessoal. Não tem havido, como contrapartida, nem ganho de eficiência nem elevação da qualidade da maior parte dos serviços. Ministros tentam justificar essa política alegando a necessidade de reconstruir a máquina do governo. Essa conversa é mera retórica jamais confirmada pelos fatos: o governo está apenas mais gordo, mais caro e ineficiente, até porque se praticou amplamente o aparelhamento partidário. Além do mais, o inchaço da folha cria despesas dificilmente comprimíveis, tornando o orçamento mais inflexível e reduzindo a liberdade e a eficiência no uso do dinheiro público. É urgente reabrir o debate sobre a qualidade da gestão pública no Brasil e repor na pauta política o tema da reforma administrativa. Mas só um governo disposto a enfrentar os interesses encastelados na máquina federal poderá tomar essa iniciativa.